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Fonte: Pexels.com |
Tenho percebido nas
orientações para evitar assédio e violência contra mulheres a divulgação
paralela da ideia de que o convívio em ambientes exclusivamente femininos
permitiria maior segurança e empoderamento, algo que se afasta da proposta originária de mútuo
apoio – e que deveria ocorrer entre humanos, por sermos humanos.
Entendo o argumento de
grupos femininos, de certa forma fui criada assim, com livre trânsito em casa
para as amigas enquanto amigos só em datas específicas. Mas há grande diferença
entre apoiar uma mulher quando há boicote devido à sua condição feminina (o que
deve ser sempre feito e também por homens) de evitar ou não aceitar homens em
grupos.
Pense rápido: se você
quisesse atacar mulheres, preferiria um ambiente onde só houvesse mulheres ou
um ambiente em que você não sabe quantos homens tem? Eu sinto um desconforto muito
grande em andar no transporte público do Rio de Janeiro naqueles horários de vagões exclusivos de mulheres - e se eu entrar no "errado"? Realmente não sei quanto isto
significa aumentar a minha exposição ao risco de sofrer alguma violência.
Vou dividir com você alguns exemplos
para desmistificar a falsa segurança que tenho percebido em mulheres que
preferem se excluir de grupos mistos e que não raro justificam a presença
masculina como autorização da vítima para atos violentos (lembrando que a vítima nunca é culpada). O mais óbvio deles é
de que “boa-noite-cinderela” e outras substâncias equivalentes podem ser
colocadas na bebida por homens e por mulheres. Vigiar o copo é imprescindível
sempre que as pessoas à volta ainda não sejam de seu convívio já há algum
tempo, precaução aplicável a todos os gêneros.
A simpatia e falsa empatia
estão presentes na ação de estelionatários, assim como a manipulação para
psicopatas, sejam homens ou mulheres. É um erro abrir a guarda para uma mulher
estranha: é uma pessoa estranha a você e assim deve ser tratada. Se haveria
receio em abordar um assunto ou ter uma ação em relação a um homem
desconhecido, não se deve mudar de postura por ser uma mulher desconhecida.
Eu tenho costume de viajar e
ainda nutro preferência pelas acomodações compartilhadas, desde os albergues da
juventude, administrados por um braço da igreja católica, aos “hostels” com
regras menos rígidas. Pois bem, as duas vezes que mexeram nas minhas coisas eu
estava em quarto feminino: cheguei, deixei meu chapéu de inverno em cima da
cama e fui ao banheiro. Quando voltei não estava lá. No quarto estava eu e duas alemãs, que se fizeram de desentendidas. Fiquei sem. Na outra vez, emprestei um
pente de madeira e a americana que usou elogiou muito,
no dia seguinte, cadê?
Já em quartos mistos nunca
tive problema. Hoje a minha percepção é de que fui menos diligente. Baixei a
guarda pela falsa sensação de segurança gerada por imaginar estar entre iguais a partir de estereótipos que me foram culturamente ensinados.
Aqui no Brasil já perdi a conta de quantas vezes e em quais
modalidades tentaram me assaltar, quantos assaltos já assisti e quantos
assédios ou brigas violentas de casais presenciei. Sabe quando foi a
única vez que me levaram dinheiro? Em Atenas, em local turístico considerado seguro e muito próximo a policiais: um
casal de indianos segurando um mapa me pediu para trocar 5 Euros, abri a bolsa
e contei as moedas – conversando com a menina que eu pensava ser turista como
eu, olhando para a mão e com a bolsa aberta, o rapaz levou-me 20 Euros que
estavam no bolso menor. O prejuízo poderia ter sido desastroso se ele tivesse conferido
os outros bolsos. Só percebi o furto horas depois. Fosse em outro lugar ou um morador local, sequer teria deixado terminar a pergunta, mas turistas como eu, como não ajudar, não é mesmo?
De tanto conhecer gente
diferente de mim, de tanto visitar lugares turísticos e nada turísticos muito contrastantes
ao meu mundo, passei a compreender que o hábito de tentar enquadrar as pessoas
que conhecia prejudicavam a mim mais do que tudo.
É impossível identificar de pronto quem está à sua frente: nacionalidade pode não significar o que você sabe sobre
uma cultura, gênero não define índole, assim como os hobbies, a motivação e a idade
em que saiu da casa dos pais pode falar muito mais da pessoa do que sua
profissão ou onde vive. Perceber estas nuances leva a abrir a guarda em
lugares pouco prováveis e cair fora de atrações aclamadas antes de seu fim.
Parece estranho? Permita-se ao menos a
reflexão das vantagens de não esperar uma viagem para conhecer pessoas e lugares de contexto diverso ao seu – e
conhecê-las sem classificá-las - pois é um exercício que merece treino para ser
bem aproveitado: evoluímos como espécie catalogando em segundos quem é parecido
conosco e quem destoa, abrindo ou fechando a guarda imediatamente.
Quem imaginamos ser parecido e concordar com nossos posicionamentos é mais confortável de lidar, restringir o convívio a
este grupo é o grande perigo - o outro pode estar fingindo para ser aceito. Sem a diferença nos congelamos no tempo e no espaço incapacitando o saber lidar com situações adversas; sem o costume da convivência com o diferente qualquer adversidade poderá gerar pânico. Medo só vale a pena
enquanto não nos atrapalha. Para mim, o isolamento entre iguais amplia as situações de medo.
Já enfrentei muita roubada e saia justa, faz parte,
mas elas vêm diminuindo com o tempo, quanto menos carimbo pessoas, situações e
lugares melhor consigo interagir e intuir com o que e quem estou lidando.
Ao parar de tentar identificar
os outros, passei a dar mais liberdade a mim. Conheci lugares graças a ter
deixado de lado preconceitos. Também cada vez mais encontro pessoas
que se propõem ao inusitado e ao respeito de aceitar também o que não compreende do outro. É uma persistência que vale a pena e percebo mais resultado do que me forçar a ficar em grupos fechados: é a abertura que permite, no que ainda não estou
forte, perceber a minha vulnerabilidade e seguir o fluxo natural da vida.
Foi o discurso de alguns grupos femininos que me motivaram a parar para escrever aqui, mas é possível ler o texto a partir de qualquer carimbo que a pessoa se dê. Se incomoda você o que escrevi, pense qual rótulo você se dá e, se você resolvesse ser ou fazer diferente, quem entre os seus grupos de amigos e familiares aceitaria a mudança sem crítica. Quanto maior a lista da sua resposta, maior a liberdade e menor o medo para viver.