Sem lenço e sem documento
Em 1992 fui com colegas do colégio pedir a saída de Collor.
Eles levavam seus instrumentos de percussão e eu ajudava carregando as baquetas.
Chegando na área da concentração, um homens nos organizou em roda e, ficando no
centro, pediu para que repetíssemos o que ele falava. Lembro que não
concordamos com o seu discurso e permanecemos calados. Ele, depois de insistir
e irritar-se conosco, que não formávamos coro com ele e ainda fazíamos barulho
nos tambores, nos colocou em cima do carro de som.
O discurso desconexo com o propósito da passeata e as
pessoas que ali estavam em animada conversa não apenas aceleraram meu retorno para
casa, antes mesmo do fim do protesto, como me mantiveram afastada das multidões
reivindicatórias.
A manifestação do dia 18, que me fez ficar pelo menos uma
hora sem conseguir fazer nada a não ser ouvi-la, obrigou-me a refletir. A
passagem gratuita considero reivindicação utópica, alguém pagará a conta. A
inflação cada vez mais presente – não apenas no transporte – parecia-me
reivindicação mais justa: é como campanha salarial, briga-se por aumento, nunca
por menos contas.
Por outro lado, foi a pedido do governo federal que o
reajuste das passagens em várias cidades do país foi postergado para junho. Seja
por inabilidade ou soberba, os atuais governantes entregaram de bandeja um
prato cheio para uma até então inexistente oposição atacar indiscriminadamente
qualquer governo. Em São Paulo, foram atingidos o PSDB do governador (metrô) e
o PT do prefeito da capital (ônibus), partidos que lideram há anos a rixa
política.
Não bastasse esse cenário, o jeitinho para consertar os
números inflacionários não funcionou. Para mim, pior do que não ter mobilidade
urbana (o que só se consegue tendo infraestrutura na região em que se mora,
inclusive possibilidade de lazer e trabalho – e não apenas andando de graça
horas a fio no transporte público deficitário) é a mentira, a solução econômica
de mascarar a inflação adiando artificialmente o inadiável.
A conduta ainda inábil ou soberba dos governantes e a
violência a queima-roupa venceram minhas restrições a passeatas. Paciência se
ninguém quer se responsabilizar pela organização das manifestações, se a
esquerda diz que a direita está no comando, se a direita diz que a esquerda não
assume porque essa foi a estratégia usada em outros países hoje falidos: fui
pra rua para dizer que também não estava satisfeita.
Escolhi a passeata “temática” contra a PEC 37, que ocorreu
no sábado 22. E devo ir em outras que tenham um assunto predefinido com o qual
concorde. Em solidariedade aos prestadores de serviço, prefiro manifestações
fora do horário comercial. Não vi clima de festa ou a alienação criticada em
rede social; as frases descontraídas são característica nossa e se não houvesse
não estaríamos no Brasil. Mesmo o “quem não pula quer a PEC”, que antes era “quem
não pula quer tarifa” tem o seu sentido: ajuda a integrar as crianças e a
afasta o cansaço nos momentos de parada, já que quando se senta falta rua para todo
mundo e pular é mais agradável do que ficar parado.
Durante todo o trajeto (um pouco mais de três horas de
duração) tudo transcorreu tranquilamente. O mesmo esquema de 1992, de um falar
e os outros próximos repetirem, foi utilizado. Tinha um megafone, de qualidade muito
ruim e quem nele falava não esperava a frase ir até o fundo, nem repetia o que
havia dito, dificultando a difusão da informação.
Sem violência, a imprensa apenas informou que houve passeata
com 35 mil pessoas. O número pareceu-me modesto, já que na Roosevelt, olhando
pra trás, via-se a Av. Consolação repleta de gente e cartazes e, por celular,
um grupo ao meu lado comentava que alguém de suas relações estava ainda na
Paulista, que ia ficar para o final da multidão por causa do jogo, que estava
em 4x2. Também não sei o que aconteceu que o grupo se dividiu: eu fui para a Sé,
que não chegou a lotar; ao longe os gritos de protesto eram ouvidos e ninguém
sabia onde os outros estavam. Frases com rima e já divulgadas na Internet eram
as mais repetidas, mostrando que é preciso sim uma prévia organização do
movimento para ele funcionar. Quem organizou? Mistério...
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