segunda-feira, 24 de junho de 2013

Sem lenço e sem documento

Em 1992 fui com colegas do colégio pedir a saída de Collor. Eles levavam seus instrumentos de percussão e eu ajudava carregando as baquetas. Chegando na área da concentração, um homens nos organizou em roda e, ficando no centro, pediu para que repetíssemos o que ele falava. Lembro que não concordamos com o seu discurso e permanecemos calados. Ele, depois de insistir e irritar-se conosco, que não formávamos coro com ele e ainda fazíamos barulho nos tambores, nos colocou em cima do carro de som.

 

O discurso desconexo com o propósito da passeata e as pessoas que ali estavam em animada conversa não apenas aceleraram meu retorno para casa, antes mesmo do fim do protesto, como me mantiveram afastada das multidões reivindicatórias.

 

A manifestação do dia 18, que me fez ficar pelo menos uma hora sem conseguir fazer nada a não ser ouvi-la, obrigou-me a refletir. A passagem gratuita considero reivindicação utópica, alguém pagará a conta. A inflação cada vez mais presente – não apenas no transporte – parecia-me reivindicação mais justa: é como campanha salarial, briga-se por aumento, nunca por menos contas.

 

Por outro lado, foi a pedido do governo federal que o reajuste das passagens em várias cidades do país foi postergado para junho. Seja por inabilidade ou soberba, os atuais governantes entregaram de bandeja um prato cheio para uma até então inexistente oposição atacar indiscriminadamente qualquer governo. Em São Paulo, foram atingidos o PSDB do governador (metrô) e o PT do prefeito da capital (ônibus), partidos que lideram há anos a rixa política.

 

Não bastasse esse cenário, o jeitinho para consertar os números inflacionários não funcionou. Para mim, pior do que não ter mobilidade urbana (o que só se consegue tendo infraestrutura na região em que se mora, inclusive possibilidade de lazer e trabalho – e não apenas andando de graça horas a fio no transporte público deficitário) é a mentira, a solução econômica de mascarar a inflação adiando artificialmente o inadiável.

 

A conduta ainda inábil ou soberba dos governantes e a violência a queima-roupa venceram minhas restrições a passeatas. Paciência se ninguém quer se responsabilizar pela organização das manifestações, se a esquerda diz que a direita está no comando, se a direita diz que a esquerda não assume porque essa foi a estratégia usada em outros países hoje falidos: fui pra rua para dizer que também não estava satisfeita.

 

Escolhi a passeata “temática” contra a PEC 37, que ocorreu no sábado 22. E devo ir em outras que tenham um assunto predefinido com o qual concorde. Em solidariedade aos prestadores de serviço, prefiro manifestações fora do horário comercial. Não vi clima de festa ou a alienação criticada em rede social; as frases descontraídas são característica nossa e se não houvesse não estaríamos no Brasil. Mesmo o “quem não pula quer a PEC”, que antes era “quem não pula quer tarifa” tem o seu sentido: ajuda a integrar as crianças e a afasta o cansaço nos momentos de parada, já que quando se senta falta rua para todo mundo e pular é mais agradável do que ficar parado.

 

Durante todo o trajeto (um pouco mais de três horas de duração) tudo transcorreu tranquilamente. O mesmo esquema de 1992, de um falar e os outros próximos repetirem, foi utilizado. Tinha um megafone, de qualidade muito ruim e quem nele falava não esperava a frase ir até o fundo, nem repetia o que havia dito, dificultando a difusão da informação.

 

Sem violência, a imprensa apenas informou que houve passeata com 35 mil pessoas. O número pareceu-me modesto, já que na Roosevelt, olhando pra trás, via-se a Av. Consolação repleta de gente e cartazes e, por celular, um grupo ao meu lado comentava que alguém de suas relações estava ainda na Paulista, que ia ficar para o final da multidão por causa do jogo, que estava em 4x2. Também não sei o que aconteceu que o grupo se dividiu: eu fui para a Sé, que não chegou a lotar; ao longe os gritos de protesto eram ouvidos e ninguém sabia onde os outros estavam. Frases com rima e já divulgadas na Internet eram as mais repetidas, mostrando que é preciso sim uma prévia organização do movimento para ele funcionar. Quem organizou? Mistério...

Nenhum comentário: