A real da realidade
Possibilidade de escrever sua própria trajetória de vida,
não consigo entender de outra forma o conceito de democracia.
Tenho convicção de que todos temos a vida que pedimos a
Deus, uns de forma mais consciente que outros. É a tal lei da ação e reação
(argumentação para os ateus). Concorde se quiser – apenas esqueça o blá-blá-blá
da culpa e pense que a responsabilidade pelos atos e omissões é uma constante
permissão, a cada momento, para mudar o curso da vida.
Por que escrevo isso, após tanto tempo sem manifestar-me por
aqui? Somos responsáveis também por quem nos representa, independente do voto
nas eleições. As notícias e a mesquinharia de argumentos reproduzidos na mídia estão
tirando minha tranqüilidade... A inabilidade política do governo federal deixaram-me
em estado de choque por uns dias, agora melhorei um pouco, estou conseguindo
até me manifestar a respeito:
Não vou entrar no mérito do programa “mais médicos”, números
são facilmente manipuláveis e, da forma como está sendo conduzido, só dá para
perceber que tudo – menos saúde da população – é o que está em jogo para as
partes envolvidas. (saúde é não ser contaminado pela poluição/falta de saneamento
ou ter acesso a serviço médico, com procedimentos básicos devido à poluição?
Bem, deixa pra lá...).
O jeitinho dado para a implementação do programa é estarrecedor.
Refiro-me ao drawback atípico de cubanos (se você preferir, pode ser leasing
também). Não faz muito tempo houve manifestação do MPT de que não era possível monitorar
o deslocamento dos médicos cubanos dentro do território nacional, nem pagar salário
de USD40. Um espanto que ninguém dentro do governo tenha se lembrado que existe
uma Constituição prevendo salário mínimo e direito de ir e vir (mais abrangente
que a mobilidade reclamada nas ruas).
Pouco tempo depois, é anunciado novo acordo (dessa vez já
assinado). O MPT alegou não ter conhecimento do conteúdo para poder opinar,
pela imprensa descobre-se que 25% a 40% do valor pago ficará com o profissional
e o restante vai para (?) a título de (?).
O intermediário (OPAS e/ou CUBA) ganhará mais do que quem
trabalha. Ok, sei que isso é comum nas relações comerciais com finalidade de
lucro – tudo a ver com comunismo e acesso à saúde. Mas se pensar na
estruturação, o país está delegando a terceiros o preenchimento de vagas na
área da saúde. Alguém arrisca qual a diferença de pedir para um hospital
beneficente alocar pessoas num posto de saúde e uma pessoa jurídica de direito
internacional alocar pessoas num posto de saúde? É... o mesmo modelo de
privatização da saúde, só que no segundo caso os recursos não ficam no país e é
feito por quem sempre criticou o modelo.
Acho lamentável que a discussão se restrinja entre o “médico
italiano que ficará no litoral potiguar” e o “médico cubano negro vaiado”
(confesso, baseio-me no Facebook). Vou desconsiderar que o censo de municípios
com vagas foi apresentado apenas após a divulgação do programa “mais médicos”,
tornando possível às prefeituras substituir seus quadros pelos médicos que
serão pagos pela União. Também vou desconsiderar que houve dois recrutamentos de
12 meses para treinamento de médicos da família, divulgados como prioridade
pelo ministério da saúde, mas que só agora, na sua terceira edição, terá
remuneração equiparada à do programa “mais médicos” (vide Provab). A gravidade
da renúncia à soberania acatando piamente o que outros entes internacionais
dizem (ausência de revalidação do diploma) é por demais óbvio e não vou usar
nosso tempo falando disso.
Vou basear-me apenas no aspecto humano: vou acreditar que o
profissional que está chegando conseguirá algum resultado, que terá jogo de
cintura para sobreviver às milícias e ao coronelismo sem se corromper e a
população ficará satisfeita com o seu trabalho – e que sua substituição de
tempos em tempos não afetará o atendimento às pessoas. Como o contrato de
trabalho é temporário, ele só permanecerá legalmente no país se casar ou tiver
filhos aqui. Será uma pessoa ética, fará questão de validar seu diploma para
continuar atendendo, mesmo que a população local não entenda, após 6 anos, que
o médico deixou de ser médico.
Mas e os cubanos? O que acontecerá ao brasileiro, filho de
mãe ou pai cubano? Terá que abandonar o país para não ficar órfão? O governo
vai descumprir a promessa de dar visto permanente ou asilo? Vai romper relações
com Cuba? Mistério... Estou exagerando? Quatro mil pessoas durante seis anos e
ninguém vai se envolver com qualquer brasileiro(a)? Não posso acreditar que
sejam todos previamente esterilizados! Pior do que aquelas vaias infelizes no
aeroporto de Fortaleza é a conivência com a exploração. Como pode o governo
garantir que não dará visto para nenhum cubano? Se estão sendo contratados
merecem receber o mesmo que os outros. Vaias foram para todas as
nacionalidades, mas só os cubanos vão receber menos. Por quê? Por que, mais uma
vez, a Constituição é ignorada? Teremos que torcer para o comunismo continuar
na ilha para que não haja passivo trabalhista no futuro? Cadê o Ministério
Público?
Não sei a quem pode ser benéfica a situação, senão aos que
disputam poder. Sem dúvida, a discussão é conveniente por diminuir o enfoque da
mídia no caos econômico que o país está. O modelo inglês de pagar menos para
quem atende pobre (um salário que só estrangeiro se submete) parece não ter
volta enquanto houver crise de desemprego no hemisfério norte, aqui é um pouco
pior pois não há seleção do estrangeiro que vem e ele é desencorajado a ficar.
Acredite, gostaria de estar sentindo menos vergonha da situação
atual, principalmente pela institucionalização oficial do cidadão de segunda
classe, seja o médico cubano, seja a população que vive em condições precárias
sem perspectiva de melhoria. Ajude-me, se puder, a achar algum argumento que relativize
a situação, mas sem esquecer o caput do artigo 5º da Constituição:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos seguintes termos: (...)”(grifei)
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