sábado, 28 de julho de 2012

Tecla F

Momentos em que não se sabe o que fazer primeiro - ou do que abrir mão - todo mundo tem e cada um resolve da sua forma. Acrescentar algo totalmente diferente para fazer no caos instalado pode ajudar até mesmo quem não goste de protelar. Afinal, ansiedade e nervosismo atrapalham qualquer raciocínio.

Nesse contexto, fui em mais um daqueles primorosos projetos teatrais da FIESP. Dessa vez, praticamente o mesmo elenco apresenta em dias alternados "A Falecida" e "Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues. Ruy Castro, que além de biógrafo do homenageado é o curador da programação, antes da peça, em um vídeo, explica seu contexto; é a "cereja do bolo" na celebração do aniversário de 100 anos do dramaturgo.

sábado, 21 de julho de 2012

Qualidade e Quantidade

A mulher fazia sinal para todos os ônibus que por ali passavam. Até havia um pequeno poste de madeira no local, em frente a um hotel, mas certamente nenhum daqueles ônibus paravam ali. Ao levantar os olhos, após eu bem observar sua mala pequena, com etiqueta de companhia aérea desconhecida, ela veio falar comigo: estava aflita, pois já havia passado o horário de seu ônibus e nenhum parara ali, ela tinha receio de perder o voo. Trêmula, mostrou-me um papel que continha três horários
18:30
18:50                    Sh
19:15
 
Eram 18:47. Um ofegante funcionário do hotel apareceu na calçada para traduzir aqueles números. Às 18:30 o ônibus costumava passar do outro lado da rua, em sentido oposto ao que ela estava. Eu sei, por experiência própria, que ele não para no meio da rua, para qualquer um com mala, mas somente aos que estejam aguardando em específicos hotéis. O mais próximo dali ficava a pelo menos 50 metros, mas isso nem o responsável por informar a hóspede sabia. O segundo horário significava o momento de partida no ponto final, não muito distante dali, mas uma temeridade, naquele horário, para ela ir. Bem, comédia ou não, o rapaz disse-me que do ponto final até o shopping da rua de trás (por isso o “sh”) o ônibus levava em média 15 minutos. Nem perdi meu tempo explicando para ele que o cálculo estava errado. Traduzi o conteúdo à aflita turista, alertei sobre possível engarrafamento, e me despedi. Depois fiquei pensando que poderia tê-la acompanhado, pelo menos para conseguir alguém para dividir um taxi (em 4 pessoas, já sai mais barato do que de ônibus). Tomara que tenha dado tudo certo, já que o voo dela estava programado para as 23 horas.

 * * *
Números, nem todos se relacionam bem com eles. Tornam irrefutáveis quaisquer argumentos, a ponto de poucos lembrarem-se de verificar sua origem. Em época de eleição, então, aparecem aos montes – e de todos os tipos. Os mais pomposos são os acompanhados pelos cifrões. Números hipnotizam, apagam o lado óbvio do cérebro; aquele imprescindível à vida e que nos garante a felicidade, o que sabe ser impossível quantificar a qualidade.

Enquanto afastava-me da moça, lembrei-me de um episódio vivido há alguns anos em Praga. Não sei como está hoje, mas na época, um pouco depois da guerra, quem sabia algum idioma estrangeiro sabia russo ou alemão. Por isso, em todos os lugares, havia legendas. Você procurava a bandeira do seu país e apontava para a frase no seu idioma. Em baixo, seu interlocutor lia a tradução em tcheco e apontava numa outra legenda a resposta. Números, eles escreviam em bloquinhos que guardavam na cintura, tal como garçons. Nas lojas, havia legenda de cores. Nos restaurantes, foto dos pratos. Nos passeios, cada lugar em que a guia falaria alguma coisa, havia um número e cada um parava e lia, em uma folha plastificada, a respectiva legenda. Simples, extremamente funcional e constrangimento zero.

Atualmente, o governo está investindo milhões para ensinar a alguns, profissionais do turismo, em alguns meses, o idioma estrangeiro negligenciado em 12 anos de ensino formal. E aí está o maior problema. Ao invés de assumir “não sei”, "mas vou procurar de forma consistente reverter minha situação", em caráter emergencial valores são liberados. É como comprar um valioso presente, em montante superior às posses, para alguém com quem formalmente se convive sem sequer haver cordialidade diária e, diante da reclamação por falta de atenção, sentir-se indignado pelo sacrifício feito e não reconhecido.

Um simples mapa tornaria menos tensa a situação que vivenciei. Mesmo que o constrangido funcionário daquele hotel 4 estrelas soubesse inglês, ele não soube calcular os 15 minutos entre uma parada e outra. Mesmo que a turista soubesse português, o funcionário não lhe teria dito que o ônibus parava apenas em alguns hotéis, que ela deveria ir até um concorrente para embarcar. O déficit nos atendimentos é muito maior do que os números apontam.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Participei hoje de manhã da intervenção que está acontecendo em frente ao prédio do Sesc Paulista. De forma muito simpática, um rapaz perguntou se eu não teria uma história para contar... Mesmo com a garantia do anonimato, mudei um pouco os fatos, a artista gostou e escreveu do jeito dela, de uma forma que eu não escreveria. Quando ela perguntou minha opinião, autorizei a impressão (sim, as histórias são impressas - cada contador ganha um lambe-lambe colorido com ela e uma folha branca, para poder fazer quantas cópias quiser - outra impressão é disponibilizadas para votação à tarde e as duas vencedoras são coladas no mural grafitado da reforma de prédio).

Histórias não faltavam para serem contadas, nem minhas, nem dos outros que se aproximavam. Um cameraman filmava tudo, mas garantiu que não haverá áudio. Ufa! O que não contei a ela foi que só lhe diria algo impublicável em meu blog... Divertido de participar e de se observar.

* * *

Para quem não sabe o que é um lambe-lambe, eis um exemplo:

Essa não foi a minha história...

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Da ausência do título

“E daí?” – atire a primeira pedra quem nunca assim se questionou em uma exposição de arte. Interessante que a primeira opção dificilmente é “não sei”, “não entendi” – mesmo nas visitas guiadas. “Q loko!” também é uma interjeição costumeira entre os imediatistas. Afinal, loko é o diferente, que pode ser rejeitado (a intolerância desaprovada socialmente) ou apreciado (se posso gostar do que não sei o que é, como manter a aparentemente necessária rotina?).
Indiferente quanto ao objeto contemplado, o “e daí?”, que poderia demonstrar desinteresse, com um pouco de análise soa mais como arrogância: se não quer saber (se há indiferença), por que foi parar ali e atrapalhar a visão dos outros? Deve ser por isso que muitos mantêm silêncio e outros tantos não param de falar sobre qualquer outro assunto nas exposições de arte: para impedir a percepção da ignorância.
Ouvi certa vez que arte é apenas uma linguagem a mais a ser aprendida.  E se prefixos e sufixos são importantes para adivinhar o significado das palavras, passei a preocupar-me com o nome da obra, como uma pista do que poderia estar em minha frente. “Sem título”, “sem data”, "desconhecido", “sem local de produção” são ausências que me incomodam.
A foto da postagem anterior é uma de várias que tirei para ilustrar um contexto singular, que ficou muito extenso para estar publicado aqui, mas que talvez um dia eu conte. Passei esses dias sem escrever decidindo se colocava toda sequência ou algumas fotos. Também pensei em dar-lhe vários títulos, fiz várias montagens e, confesso, escolher apenas uma foto e deixar “sem título”, foi libertador: pronta para a próxima.