A mulher fazia sinal para todos os ônibus que por ali
passavam. Até havia um pequeno poste de madeira no local, em frente a um hotel,
mas certamente nenhum daqueles ônibus paravam ali. Ao levantar os olhos, após eu
bem observar sua mala pequena, com etiqueta de companhia aérea desconhecida,
ela veio falar comigo: estava aflita, pois já havia passado o horário de seu
ônibus e nenhum parara ali, ela tinha receio de perder o voo. Trêmula,
mostrou-me um papel que continha três horários
18:30
18:50 Sh
19:15
|
Eram 18:47. Um ofegante funcionário do hotel apareceu na calçada para
traduzir aqueles números. Às 18:30 o ônibus costumava passar do outro lado da
rua, em sentido oposto ao que ela estava. Eu sei, por experiência própria, que
ele não para no meio da rua, para qualquer um com mala, mas somente aos que
estejam aguardando em específicos hotéis. O mais próximo dali ficava a pelo
menos 50 metros, mas isso nem o responsável por informar a hóspede sabia. O
segundo horário significava o momento de partida no ponto final, não muito
distante dali, mas uma temeridade, naquele horário, para ela ir. Bem, comédia
ou não, o rapaz disse-me que do ponto final até o shopping da rua de trás (por
isso o “sh”) o ônibus levava em média 15 minutos. Nem perdi meu tempo
explicando para ele que o cálculo estava errado. Traduzi o conteúdo à aflita
turista, alertei sobre possível engarrafamento, e me despedi. Depois fiquei
pensando que poderia tê-la acompanhado, pelo menos para conseguir alguém
para dividir um taxi (em 4 pessoas, já sai mais barato do que de ônibus).
Tomara que tenha dado tudo certo, já que o voo dela estava programado para as
23 horas.
Números, nem todos se relacionam bem com eles. Tornam irrefutáveis
quaisquer argumentos, a ponto de poucos lembrarem-se de verificar sua origem. Em
época de eleição, então, aparecem aos montes – e de todos os tipos. Os mais
pomposos são os acompanhados pelos cifrões. Números hipnotizam, apagam o lado
óbvio do cérebro; aquele imprescindível à vida e que nos garante a felicidade, o
que sabe ser impossível quantificar a qualidade.
Enquanto afastava-me da moça, lembrei-me de um episódio
vivido há alguns anos em Praga. Não sei como está hoje, mas na época, um pouco
depois da guerra, quem sabia algum idioma estrangeiro sabia russo ou alemão. Por
isso, em todos os lugares, havia legendas. Você procurava a bandeira do seu
país e apontava para a frase no seu idioma. Em baixo, seu interlocutor lia a
tradução em tcheco e apontava numa outra legenda a resposta. Números, eles
escreviam em bloquinhos que guardavam na cintura, tal como garçons. Nas lojas,
havia legenda de cores. Nos restaurantes, foto dos pratos. Nos passeios, cada
lugar em que a guia falaria alguma coisa, havia um número e cada um parava e
lia, em uma folha plastificada, a respectiva legenda. Simples, extremamente
funcional e constrangimento zero.
Atualmente, o governo está investindo milhões para ensinar a
alguns, profissionais do turismo, em alguns meses, o idioma estrangeiro
negligenciado em 12 anos de ensino formal. E aí está o maior problema. Ao invés
de assumir “não sei”, "mas vou procurar de forma consistente reverter minha situação",
em caráter emergencial valores são liberados. É como comprar um valioso presente,
em montante superior às posses, para alguém com quem formalmente se convive sem sequer haver cordialidade diária e, diante da reclamação por
falta de atenção, sentir-se indignado pelo sacrifício feito e não reconhecido.
Um simples mapa tornaria menos tensa a situação que vivenciei. Mesmo
que o constrangido funcionário daquele hotel 4 estrelas soubesse inglês, ele
não soube calcular os 15 minutos entre uma parada e outra. Mesmo que a turista
soubesse português, o funcionário não lhe teria dito que o ônibus parava apenas
em alguns hotéis, que ela deveria ir até um concorrente para embarcar. O
déficit nos atendimentos é muito maior do que os números apontam.
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