Aguardando a Sessão
- Oi, M. Como você está?
- Você gostou do filme de agora?
- Só vou assistir o próximo. Fui descansar do anterior,
muito tempo durar três horas.
- Eu também estou descansando.
- Bonita blusa, M. Ela é bem feminina.
- É. Algum filme do qual você tenha gostado?
- O sobre a ganância me revoltou o estômago. Pior é que é
verdade aquilo.
- Eu gostei deste aqui [mostra o catálogo].
- Nacional? Não aguento filme nacional: se não tem sexo,
fala da ditadura.
- Mas ele mostra que nada mudou.
- Ih! Só ditadura e sem sexo? Não, filme nacional é melhor
ficar em casa. Alguma coisa lá você não sabia?
- F., você esqueceu que eu cheguei aqui em 1970. Até
compreender bem o que acontecia foram muitos os anos...
- Ah! Nada muda. Mas agora tem que alguma coisa melhorar,
2012 foi um ano cão.
- O que você anda fazendo?
- Processando e sendo processada. A aposentadoria não sai, o
aluguel que eu recebia parou de ser pago... Os sete reais do cinema estão
fazendo falta, por isso vim aqui.
- É, eu também aproveito. Menos pedidos a fazer a minha
filha. Mas eu não tenho te visto mais lá [lugar]. Lá tem tido filmes bons, eu
não pago por eles e acho que você também não.
- Eu pago, ainda. Parei de ir lá porque fiquei muito chateada.
Sabe, M. Era semana do meu aniversário. Tudo acontecendo errado durante o ano
todo. Achei que merecia ir ao cinema, pra ver aquele filme... Era o último dia,
no dia seguinte iam mudar o filme. Separei os sete reais. Na hora de pagar,
soube que era nove o preço. E eu não tinha os dois reais para completar. Pedi para
levar outro dia, o caixa – que sempre é tão cordial - não concordou e cancelou a venda. Pedi para
a gerente, a C., que me conhece há quinze anos. Quinze anos que vou lá, M.! E a
C. não deixou que eu entrasse, para no dia seguinte levar os dois reais que
faltavam. São muito muquiranas.
- Não são, não. Você sabe que já entrei sem pagar? Na época
em que eu ainda pagava, eles não tiveram troco e deixaram eu entrar de graça.
- [oh] Atrás de mim, na fila, estava aquela senhora que
sempre vai lá. Ela perguntou quanto faltava, pareceu disposta a completar os
dois reais. Eu fiquei morrendo de vergonha, disse que não faltava nada, saí da fila e nunca
mais voltei. Fiquei com vontade de reclamar pela falta de consideração. No meu lugar, você não reclamaria?
- Reclamar?
- Tão feminina esta sua blusa!
* * *
Mesmo com o sotaque carregado de
Mariana e a língua arrastada de Fátima, fiquei constrangida em ficar copiando o
diálogo das duas, que estavam ao meu lado. Do que falaram, essa foi a parte que me lembro
melhor, demorei um pouco para perceber a preciosidade do que comentavam - se eu
precisasse criar, não faria um diálogo tão autêntico.
Seja lá quem for a gerente Célia: tô
contigo e não abro. Difícil entender a natureza humana, preferir pechinchar pro
funcionário que pode ter que tirar do bolso a aceitar a gentileza de outra
usuária do cinema.
Mais importante de tudo: "É tudo verdade" (festival de documentários) termina este final de semana. A curadoria permanece excelente, assista pelo menos um - nem se preocupe em escolher.
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