E não é que Santo Antônio lhe compreendera? Não que
acreditasse em santos ou tivesse rezado: o que está pendurado pelo pescoço, na
cortina, fora presente. Mas desacreditar é muito diferente de desrespeitar - e
se para tanta gente aquele pedaço de madeira esculpida e pintada significava a
salvação da vida, não poderia desprezá-lo. Por isso, seguindo à tradição de
colocá-lo de castigo, escondeu atrás do sofá o Santo Antônio enforcado.
Agora, que em tese ele perdeu a serventia, não poderia
deixá-lo lá – nem jogá-lo fora, ele que talvez tivesse alguma influência em seu
estado de felicidade... Lembrou-se da igreja do bairro, quem sabe algum freqüentador
se interessasse... Ensaiou diversas falas, até que percebeu ser melhor
simplesmente deixá-lo. Para fazer bonito, e, se fosse necessário, disfarçar a situação, pegou uma vela branca, dessas que se usa quando falta luz elétrica.
De manhã, em horário que não havia missa, foi à igreja.
Mesmo sem ninguém por ali, resolveu acender sua vela, muito mais alta e
imponente do que aquelas acesas e oferecidas à venda. Ao lado, bem calçado, deixou
o santo.
Ao voltar do trabalho, preferiu desviar o caminho, apenas
para conferir se Santo Antônio ainda estava por lá. Foi então que soube do
início de incêndio na igreja. As causas seriam apuradas, infelizmente não havia
câmeras de segurança, explicou-lhe o bombeiro, entre um gole de café e uma
mordida de biscoito, ofertados por uma moradora da rua.
E este poderia ser o início, não o fim, dessa história.
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