quinta-feira, 14 de junho de 2012

(A)os devotos


E não é que Santo Antônio lhe compreendera? Não que acreditasse em santos ou tivesse rezado: o que está pendurado pelo pescoço, na cortina, fora presente. Mas desacreditar é muito diferente de desrespeitar - e se para tanta gente aquele pedaço de madeira esculpida e pintada significava a salvação da vida, não poderia desprezá-lo. Por isso, seguindo à tradição de colocá-lo de castigo, escondeu atrás do sofá o Santo Antônio enforcado.

Agora, que em tese ele perdeu a serventia, não poderia deixá-lo lá – nem jogá-lo fora, ele que talvez tivesse alguma influência em seu estado de felicidade... Lembrou-se da igreja do bairro, quem sabe algum freqüentador se interessasse... Ensaiou diversas falas, até que percebeu ser melhor simplesmente deixá-lo. Para fazer bonito, e, se fosse necessário, disfarçar a situação, pegou uma vela branca, dessas que se usa quando falta luz elétrica.

De manhã, em horário que não havia missa, foi à igreja. Mesmo sem ninguém por ali, resolveu acender sua vela, muito mais alta e imponente do que aquelas acesas e oferecidas à venda. Ao lado, bem calçado, deixou o santo.

Ao voltar do trabalho, preferiu desviar o caminho, apenas para conferir se Santo Antônio ainda estava por lá. Foi então que soube do início de incêndio na igreja. As causas seriam apuradas, infelizmente não havia câmeras de segurança, explicou-lhe o bombeiro, entre um gole de café e uma mordida de biscoito, ofertados por uma moradora da rua.

E este poderia ser o início, não o fim, dessa história.

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