quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Um dia de calor

Acordou mais cedo para não ficar até mais tarde. Nas noites quentes, ainda mais as de lua cheia, são as ruas a melhor companhia.
 
Tantos quantos forem os minutos de antecedência serão os minutos sem ar condicionado. A saúde agradece: só se conforma com gripe de sol + sorvete, sol + mar gelado.
 
No almoço, nada comeu. Correu atrás de providências enquanto os ponteiros em seu pulso corriam.
 
Sentia sede, mas água só havia a que escorria do freezer vazio. Ouviu da criatura atrás do balcão que só havia cerveja e sólidos. Até aquele pé sujo estava desprevinido. O desaforado supermercado vendia bebida a preço de restaurante. Não comprou.
 
Na sarjeta, viu enterrada na lama uma moeda. Com o pé, tentou tirá-la dali. O tênis branco ficou marrom, mas só na ponta. Muitas moedas são necessárias para manter o branco.
 
Enrolou um papel da bolsa e, antes de usar sua ponta para tirar a moeda dali, um bloco de gelo desprendeu-se do freezer escorrendo pela sarjeta.
 
O papel molhado perdeu a utilidade. Disfarçou, limpou a ponta do tênis e na sarjeta deixou a moeda e o ex-gelo misturados na lama.

domingo, 28 de outubro de 2012

Paulo Maluf: o grande vencedor das eleições de São Paulo

Antes das eleições, havia uma certeza: ⅓ dos votos seriam do PT. E como o PT hoje apenas segue Lula, se fosse Tirica – não Haddad - o candidato, ⅓ dos votos seriam dele.
No colégio, aprendi que a esquerda não ganhava eleições porque se dividia. Mas isso foi em uma época em que não havia segundo turno.
A partir da existência de segundo turno em eleições majoritárias de maior repercussão, notou-se a oposição não tão significativa assim. Maquiavelicamente e com ajuda do marketing, o discurso foi alterado.
Quem tinha ideologia migrou para novos partidos. A estrela, por outro lado, passou a ser moda, importando apenas segui-la – um bilhete para baladas e diversão (sei que quem esteve no centro de São Paulo nos últimos dias compreende a que estou me referindo).
A geração Y (nascidos na década de 90) conhece essa curtição. Talvez alguns Y, em São Paulo, tenham ouvido falar de Paulo Maluf – quase uma lenda urbana. Graças a Lula, Maluf voltou a ter repercussão nacional.
Ao prestigiar Maluf, Lula agiu tal qual os coronéis que parece um dia ter criticado e hoje são os aliados em que se espelha: a participação do rebanho é exclusivamente seguir seu pastor; roubar é detalhe aceitável, o importante é aumentar ao mostrar o que faz.
Mesmo que o roubo seja generalizado na política – ou que Lula (e por consequência o PT) esteja mais ao centro do que à esquerda, certamente nenhuma ingenuidade houve no acordo de cavalheiros. Talvez até tenha sido o ato mais ético da política nos últimos anos. Todos iguais, uns mais do que os outros.
O tal aperto de mãos fez com que os planos de governo, as propostas para a cidade e os candidatos deixassem de ser o foco (por que esconder isso?) por algum tempo. Tudo bem que São Paulo é cosmopolita, mas é até desrespeito com os outros lugares do país transformar em questão nacional a eleição daqui.
Os enfoques dados às polêmicas também em nada ajudaram. O tal “kit gay”, por exemplo: significativo não é nem o conteúdo nem a diferença entre dizer “professores, sintam-se livres para trabalhar o assunto” ou “alunos, não há tabu”, mas que em um caso a política foi implementada e no outro dinheiro público foi utilizado em um projeto vetado na última hora.
Sinto-me vivendo tal qual os relatos lidos da época do milagre econômico: propaganda de otimismo baseada em números selecionados, repetição de discursos evasivos, desestímulo ao raciocínio e debate, posicionamentos em que o ser “contra a” é mais presente do que o “a favor de”. Não importa que não saia jogo.
Em uma eleição que ganharia o menos rejeitado, estamos escolhendo entre um vaidoso e o fantoche de outro vaidoso, cuja vaidade se desconhece. Maluf, “de camarote”, pode até já ter tido a vaidade saciada, mas não deve ser o suficiente e já deve ter combinado seu prêmio, afinal, mesmo sem entrar em campo, foi lhe dado o papel de "fiel da balança", sendo o grande vencedor.

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Publico este texto antes do início da votação. Tentei ser o mais neutra possível, mas confesso ter receio de estar sendo injusta com o Tiririca, afinal, nada além do preconceito pela baixa escolaridade pode-se falar dele.

domingo, 21 de outubro de 2012

Estranhamentos


Poderia não ter olhado, mas olhou. Lá estava ela, maior que um palmo: a borboleta preta imóvel no plafon. Preferia uma lâmpada queimada como causa do escuro. Cuidadosamente, apagou a luz, fechou a porta e ficou torcendo para que ela fosse embora logo.
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Pela fresta do tapume viu os homens trabalhando lá embaixo, como se fosse uma pequena mostra da Serra Pelada. Quatro, cinco andares escavados a poucos metros da avenida que recebia ônibus e caminhões. Sem chuva ou com chuva, resolveu que não passaria mais por lá, nem iria à livraria vizinha – não enquanto o prédio não fosse visível. Só quando passa em frente é que se lembra do prometido... Hoje, por exemplo, percebeu que a calçada estava rachada. Não atravessou - já faltava espaço para as cadeiras e mesas do outro lado da rua – acompanhou cada centímetro das marcas no cimento novo, exatamente em todo cumprimento do terreno. Definitivamente, ninguém deveria passar por lá.

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Naquele horário havia muito movimento, ainda mais naquela avenida. Para piorar, com prédios antigos e calçadas estreitas, não era possível estacionar. Cada um de um lado, passo sincronizado para ir mais rápido no trecho a pé, não precisaram pedir licença. As pessoas paravam para olhar e os carros paravam para olhar as pessoas paradas. Foi assim que atravessaram sem precisar ir até o farol, até mesmo as motos não quiseram chegar perto. Iam precisar dessa moleza, mesmo, quando estivessem não só com o caixão, mas também com o defunto dentro.

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A vendedora garantiu-lhe que era a escolha acertada: melhor benefício, pela rapidez valia o preço. Resolveu testar e precisou concordar. Após dias de orgia gastronômica, em minutos a calça que ficara apertada pediu cinto. Que maravilha de creme! Só espera não engordar no banho.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Etiqueta Urbana - nunca é demais.


Há 15, 20 anos atrás, você vivia sem celular – mas é compreensível que você queira parecer de menos idade, agindo igual a pessoas que há 15, 20 anos não existiam. Se você precisa levar seu celular ao banheiro, tenho percebido que essa não é uma exclusividade sua – o constrangimento é todo seu com os sons à volta. Saiba também que, tão chato quanto sua dependência, para não falar falta de educação, é o desprendimento de deixar o celular por aí, com ringtone nada discreto, causando poluição sonora ao redor dos outros.

Lembre-se disso não apenas no cinema ou teatro, mas também ao sair de sua mesa de trabalho ou servir-se em buffet. Se você não souber como colocar no “silencioso”, tenho certeza que você se surpreenderá com a quantidade de pessoas disponíveis a te ajudar.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Etiqueta Urbana

Ei, você que fura papel. Dá uma olhada para o furador. Não importa o modelo. Todos têm algo em comum. Sabe o que é? Uma marquinha no meio dos 2 furos, geralmente é uma pontinha levantada em forma triangular. Isso existe muito antes de design existir. Sabe para que serve?
 
Pois é, a pontinha fica bem no meio dos 2 furos e serve para facilitar o manuseio do papel. Ignorá-la depõe contra você... Se antes de furar você fizer uma marquinha na folha e colocá-la ali naquela pontinha triangular, garanto que a apresentação da papelada que você está montando será outra. Acredita que ficarão todas com furos muito parecidos? Te conto mais, se as folhas se separarem, basta alinhá-las para conseguir colocá-las em ordem, não precisa pegar uma a uma para enfiá-las de volta no lugar. Simples, não?
 
Então vê se não esquece, ninguém precisa saber que você fugiu do jardim de infância, nem fica bem colocar a culpa no estagiário (= você não soube nem selecionar, nem ensinar bem).

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Querer é QUERER, não apenas pretender.

Carimbo de ingresso na exposição, com prédio ao fundo.
Seria a quinta tentativa. Precisava ser a última. Chegou às 8:20 sabendo que somente às 10:00 as portas seriam abertas. Naqueles dias quentes, melhor aguardar no horário de sol tímido. Outros pensaram o mesmo e só conseguiu entrar às 10:40. Além da fila preferencial, que dá direito a acompanhante, a escola que era para chegar às oito chegou às nove e tudo atrasou – foi o que o segurança lhe confidenciou em uma das filas internas do prédio. Sim, não bastava aguardar para entrar, uma vez lá dentro, antes de cada sala, nova contagem de pessoas era feita...

Na entrada, recebeu um carimbo na mão. Ainda bem que não tem alergia. Achou que o momento merecia uma foto, os adolescentes que estavam atrás gostaram da ideia. Subiu em um silencioso elevador enquanto o grupo ficava decidindo quem tirava a foto da mão de quem. Mas durou pouco, dois quadros apenas.

Respirou fundo. “olha esse!”, “e esse!”, “eu gostei mais desse”, “não, agora acho que esse é mais legal!”. E daí, criatura? Certamente é importante incentivar a visita de jovens, mas sem prévio preparo, parecia um oficial “cabulamento de aula”. Ter que passar no meio de um grupo discutindo se era o mesmo “rio” nos quadros só depôs contra o colégio. O guia da excursão estava num canto, nada falou sobre o Sena, estava fazendo sei lá o quê.

Percebeu dois jovens que conversavam baixo, analisando um quadro, e resolveu “grudar neles”. Sem guia e sem material da exposição (limitado às escolas), os dois meninos eram prova de que a educação formal não substitui berço, o que falavam parecia coerente mais pela postura educada do que pelo conteúdo em si.

Leu tudo, tentou memorizar quadros novos, reforçou o afeto por outros, e despediu-se com um “até breve”.
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Algumas pessoas disseram-me que não iam na exposição porque já tinham tido a oportunidade de ver os quadros. Sei que gosto não se discute, muito menos preferências. Só que cada arranjo de quadros torna tudo diferente - e legendas em português fazem a diferença. NO CCBB, os quadros são as estrelas, não o arranjo.

 
Digo isso em um contexto de quem inclui Paris no roteiro pensando em rever o último andar do Musée d’Orsay, sem se importar de ter muito ainda para conhecer da cidade luz – rever o que estiver disponível por ali torna qualquer outro lugar um complemento do passeio.

 
O que me surpreende mesmo é a quantidade de gente com tempo disponível no horário comercial. Para quem tem horário a cumprir, de sexta para sábado terá outra “virada”, o CCBB não vai fechar de noite. Minha dica é pegar metrô próximo à meia noite, descer na São Bento ou na Sé e ir a pé mesmo. Certamente quando o metrô voltar a funcionar, às 4:00, você ainda não terá terminado o passeio (acho melhor do que estacionar na Consolação).Só não vale sentar numa cadeira de rodas para pegar a fila menor. Termina dia 6 de outubro.

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Lógico que eu compreendo a vontade de compartilhar no momento em que se gosta de alguma coisa. O que critico é a criatura gritar para outra, como se fossem as únicas na sala, o que acham de cada quadro - ainda mais mudando de posição a cada segundo. No compartilhar também deve haver o esperar o outro formar sua opinião. Ao gritar suas preferências, atrapalhavam a leitura das explicações e impediam que os demais pudessem formar a sua própria opinião e a compartilhassem.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Th’ Esfincter

O show do ano. Saiu mais cedo do trabalho e foi para a fila. Tablet numa mão, celular conectado em outra, poucas pessoas na sua frente. Levou cartão e uma falsa carteira de estudante – mas se descobrissem a maracutaia ou se o sistema saísse do ar, tinha dinheiro para os dois ingressos. Em um outro bolso, troco para o lanche e pó de guaraná.
Faltavam 6 horas para começar a venda dos ingressos pela Internet, 14 para a bilheteria abrir. Nada desanimava, foram meses engordando – a poupança e o banco de horas – só para poder viver esse momento. Deu certo. Um par de ingressos Pista VIP e alguns novos amigos. Despediu-se com a promessa de acampar dois dias antes da abertura dos portões: VIP, para ser VIP, tem que grudar a barriga na grade!
Os dias foram passando e a tensão aumentando: até conseguiu uma barraca iglu emprestada, mas percebeu que não tinha amigos. Pelo menos não amigos companheiros o suficiente para acampar do lado de fora do estádio ou usar o horário do almoço para recolher o material de acampamento.
Só não entrou em depressão porque isso faria com que perdesse o show.
Foi então que ficou sabendo do Zé. O Zé topava todas – e cobrava barato. Também era esperto. Ficou acertado que o Zé acamparia na fila. Levaria uma companhia para ficar mais fácil da fila compreender a troca: 2 por 1. Em pagamento receberia o equivalente a um ingresso mais as refeições. O Zé não comia fast food, mas isso ele não disse – demonstrando experiência no assunto, exigiu receber comida caseira e farta, para poder dividir não só com o seu affair mas também com os companheiros de fila.
Ajuste feito, a ansiedade permanecia. E se o Zé não fosse confiável? Se aparecesse alguém oferecendo mais? Se ele simplesmente abandonasse o acampamento? Não, não seria possível. Tudo daria certo, estaria entre os primeiros a entrar. Estava calor, sentiria sede. Como não ir ao banheiro? Mesmo que ficassem guardando o seu lugar, quem daria passagem para retornar? E se tivesse que sair do lugar, do que adiantaria investir no Zé, no VIP?
Algo precisava ser feito. E rápido. Lembrou-se, então, das fraldas de uso adulto. Por que seriam apenas geriátricas? Fez um test-drive. Funcionou. Parecia um short, mas a visão do volume na bunda era horrível. Treinou olhares blasé para situações de mão boba. Conseguia agora entender a moda das calças saruel.
Por precaução, quando chegou o dia D, no melhor estilo adolescente, amarrou um moletom na cintura. O Zé cumpriu o combinado. Só não foi dos primeiros 100 a entrar por causa da fila preferencial de grávidas e de melhor idade. Dançou, gritou, cantou, não perdeu nenhum detalhe –  tudo sem ninguém na sua frente.