A lanchonete era um lugar estreito, muito cliente para pouco
espaço. Muita pressa, mais ainda naquele horário. Afastada do balcão em que
estava seu sanduíche e atrapalhando com a cadeira todos que por ali passavam, a
moça lia.
O livro ela escondia no colo, fazendo de seu longo cabelo uma
cortina. As pessoas estavam famintas, ansiosas pelo pouco tempo que tinham,
pelo tempo a mais que ficariam ali por não ter onde sentar para comer. Fome ela
também tinha, menos do que ansiedade pelo que iria acontecer. À sua frente, o
pão, agora morno, aguardando.
Mudou de página, mudou o lado do cabelo que cobria o papel. O
olhar mareado denunciou o ineficaz disfarce. Verificou eventuais mensagens no
celular e nem percebeu que continuava afastada do balcão atrapalhando os outros
clientes. Xingamentos e reclamações soavam como sussurros da ficção que estava
participando.
Segurando firme o guardanapo, começou a devorar lanche e
texto. Sentada, do jeito e pelo modo como estava, agora, que além do olhar
mareado, insistia em limpar com a boca os dedos que sistematicamente retornavam
para um já inexistente final de maionese no guardanapo, não se lembrava mais de
que havia do que tentar disfarçar.
De repente, deixando a capa virada para baixo, fechou o
livro em seu colo. Colocou-o dentro de uma pasta e saiu. Na rua, à sua frente,
também aguardando o semáforo abrir, um casal de mãos dadas conversava:
- Mas você acha que um homem deve ler? Perguntava o inseguro
rapaz.
- Não sei, ainda estou no início da história - respondeu a
mentirosa mulher.
Riu – mas sem que o casal percebesse – sabia do que estavam
falando e era só por isso que em público escondia o livro. Ao seu apaixonado e
desempregado irmão não apenas emprestara o outro volume como o incentivara a
gravar determinados trechos em um audiolivro artesanal. Gostava da cunhada.
Qual o problema de iniciar a leitura de um livro? Gostar? Incrível a
persistência da dicotomia coisas de homem, coisas de mulher... As inúmeras
capas de revistas masculinas, ampliadas e espalhadas nas bancas de jornal, as
quais é obrigada a ver todos os dias, não a tornaram nem mais, nem menos feminina.
Por que a leitura de um livro (três, melhor dizendo) deveria ser descartada? Se
não gostar, é só parar...
Mal começou a ler o próximo capítulo seu ônibus chegou. Sentou-se na cadeira preferencial, que era mais alta, entre a janela e uma outra mulher. Ainda faltava liberdade para poder ler sem preocupar-se com o entorno. As nuvens mudavam as nuances de tom do céu nublado. A cor cinza nunca mais seria a mesma, mesmo sendo um sobrenome. Havia menos de 50 páginas para terminar a história. O sistema poderia ainda ser decimal, poderia ainda ser binário, mas o número 50 nunca mais seria o mesmo.