quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Deve ter sido em 2007. Fiquei tão decepcionada que pedi a confirmação do que havia lido. E era verdade. As fotos dos pratos culinários não refletiam comida de verdade, havia na gastronomia uma especialidade, da qual não lembro o nome, que só preparava pratos para fotos. Comida destinada ao lixo. O frango assado, por exemplo, para ficar corado, é pintado cru. Carnes em geral não são cozidas, apenas coloridas.

Na época em que fiz a contratação da tal profissional que montaria os pratos a serem fotografados, comentei minha descoberta com uma amiga veterinária. Ela não sabia nem se surpreendeu: assim como ela estudara cinco anos os animais e trabalhava cuidando da conservação de sua carniça, a chef da foto estudara os alimentos e estimulava o apetite apenas de outra forma. O argumento calou-me, perder a ingenuidade era o preço de propor-se a conhecer os bastidores.

Lembrei-me disso ao ler que os chefs de Nova Iorque estão proibindo que seus clientes tirem foto de seus pratos. Alegam que o flash atrapalha a experiência de quem estiver na mesa próxima. Pode ser. Mas minha teoria é outra: não tem uma foto de cliente que realmente aguce o apetite. Pior: sem os truques dos bons fotógrafos, qualquer um descobre que aquele prato farto, em casa, seria utilizado para a sobremesa. Além disso, olhando de cima, a finíssima fatia de melão em tom degradê, que levou horas para ficar naquele tom e naquele formato helicoidal, nem é percebida.

A refeição sofisticada é uma obra de arte privada, preparada para ser destruída. A surpresa (da aparência e do sabor) faz parte da experiência. Exclusividade idem - não dá para dividir a refeição. Algumas obras de arte atuais seguem este conceito. Fotografia também é uma arte, feita por amadores é dispensável. Divulgar foto de sua própria refeição é tão estimulante aos outros quanto ver a foto da Mona Lisa direto do Louvre: a admiração vai ser mais pelo fotógrafo ter conseguido ultrapassar a multidão de máquinas à frente do quadro, ou seja, por onde ele está, do que pela imagem em si.

Sei que metalinguagem é muito presente e bastante estimulada; uma característica pós-contemporânea. Mas o que é mais importante: viver, parar de viver para mostrar ou contar que viveu? Proibições existem pela ausência de bom senso. Tirar foto do próprio prato, pelo menos sem flash, não parece ser o caso: o vizinho que não bisbilhote a mesa ao lado e o chef que controle sua vaidade e confie em seu negócio. Pior é tirar foto do ambiente, já que sempre tem alguém ao fundo - e se essa pessoa da outra mesa não pudesse ser vista ali, naquelas circunstâncias? Sem dúvida um ambiente sem foto é mais salutar do que um prato sem foto.

Técnica eficiente, provavelmente involuntária, para não tirar foto – e que talvez gerasse processo nos EUA – foi a de um funcionário de bar que, enquanto o grupo de amigos se organizava, olhava as fotos arquivadas no celular. Ele podia até estar fissurado pelo acesso ao recém lançado aparelho, mas, na dúvida, deixamos ele tirar uma foto só.


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