sexta-feira, 28 de setembro de 2012

QPQ!

As placas eram claras “até 5 volumes” e “até 10 volumes”. Estava com 8. Percebendo que a funcionária aceitara, sem qualquer objeção, passar 6 volumes, não teve dúvida: “oba, moça, pensei que a senhora só atendesse até 5 volumes. Quando está vazio pode passar mais, né?” Ante a negativa, pois 6 (apenas um a mais) não era o mesmo que 8 (quase o dobro) voltou para seu antigo lugar: três pessoas ainda estavam na sua frente.
E o caixa até 5 volumes continuou vazio. Até que apareceu um casal com carrinho volumoso. A funcionária disse que não podia passar mais de 5 volumes, mas o homem insistiu (a mulher ficou completamente muda) que ele passaria 5 e ela mais 5. A gerente foi chamada e rapidamente longa fila foi formada.
Não sabe bem como, mas quando viu já estava argumentando a favor da funcionária e também reclamando para a gerente que na ausência de fila 8 volumes também deveria poder, já que seriam 10 itens no mesmo cupom fiscal.
Mais tarde, lembrou-se do que lhe dissera uma menina suíça que era au pair: “coitados, eles precisam dessa esmola”. Ela referia-se às trapaças, mas em um outro contexto.
Ter discutido era um claro sinal de que precisava descansar. Concedeu-se compulsivamente um dia de folga. Foi ao museu, já que era de graça naquele dia da semana.
Fila enorme, com direito a tudo: medir pressão, responder pesquisas de marketing, olhar artesanato dos estrangeiros hippies que hoje ocupam a cidade, responder entrevistas de estudantes, ler publicações de poetas independentes – tudo isso sem nenhum vendedor ambulante com comida ou bebida (ainda bem que levara lanche na bolsa).
Aos poucos, as pessoas foram desistindo de esperar e uma moça com um bom mapa de São Paulo tentava, em espanhol truncado, obter informações de onde ir depois. Ao ouvir a Oscar Freire (uma rua de grifes em São Paulo) como sugestão, percebeu que precisava intervir. Dessas coisas que acontecem ao acaso, mas não por acaso -  outro dia conta melhor.
A mulher da frente, ao passar pela bilheteria, pediu mais um ingresso para uma suposta amiga que teria ido ao banheiro – e o funcionário deu... Minutos depois, surgiu um senhor todo faceiro. Ele entrou como se fosse ao restaurante, sem passar no detector de metais, e ficou com ela que, muito orgulhosa, comentou alto “imagina, ele vai entrar sem ter sido revistado”, ao ouvir a resposta de que “eu vi que você mentiu na bilheteria, pedindo um ingresso a mais para uma amiga que estava no banheiro. Sem a sua mentira e a dele, de que estava indo ao restaurante, a segurança não teria sido falha”, a mulher fechou a cara e virou as costas,
Preferiu ficar contente por poder continuar conversando e perceber a recuperação do cansaço, afinal, resumiu em pensamento apenas “QPQ!”: Que Pena Querriii...você podia não precisar disso.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Desconstruções e clichês - um ensaio para a sala de aula

O começo foi um fim. Prefere acreditar duvidando, ao contrário do que fazem com as bruxas: quase a cereja do bolo. Humm, está indeciso em qual bolo colocar aquela cereja, ou se um morango não seria melhor. Saliva feliz: seu regime só começará na segunda-feira.

 

Na dúvida, prefere consultar o horóscopo. Imagina-se observado e, por isso, disfarça a irritação ao folhear o jornal. Já havia encontrado - em páginas diferentes - palavras cruzadas e Sudoku. Não aceita a impressão de signos esparsos em páginas aleatórias. No seu tempo era melhor -  melhores tempos virão, dizem os meteorologistas.

 

- Na fila?

- É

 

Só estava aguardando o elevador, mas sabe que brasileiros gostam de fila - melhor não ser do contra. "Se calar o bicho pega, se falar o pau come". Essa astróloga era muito boa, só Murphy acerta mais do que ela.

 

Certezas são cruéis, dúvidas edificantes. Quanto de ouro vale o silêncio, se é pelo pensamento que são oferecidos tostões? Faz questão de não ser ultrapassado ao entrar no elevador, jeito para não levar jeitinho ele tem. Treina a escuta com os desconhecidos e descobre-se adivinho:

 

- Que trânsito, hein!

- Ainda bem que é sexta-feira.

- Será que vai chover?

- Já que é sexta...

 

Para nada falar, finge ler o jornal. Basta um querer para dois brigarem; ele prefere perder a piada a criar inimigos. Com o sinal sonoro, a porta abre-se. Ele sai para vender choro aos que têm lenço.

Stay or Go Away

Escolher é renunciar. Como não tem como se conhecer todas as possibilidades de escolha, há sempre uma probabilidade de erro. Sorte quando é possível renunciar à escolha, mesmo que leve um tempo ou demore para percebermos o erro.
As eleições são um exemplo. Os programas de governo, obrigatórios para os candidatos do executivo, são amplos o suficiente para que todo mundo encontre o que procura – para falar bem ou mal. A partir de pesquisas de marketing, o discurso é treinado...
Este ano eu estava realmente em dúvida, rejeição a alguns candidatos, restrição a outros. Até que após certa conversa, consegui encontrar um critério para o voto: na cidade, o que me faz morar nela? Qual a atenção tem sido dada para este ponto? Desde que governo?
É só uma sugestão de critério de quem cada vez fica mais perplexa com a falta de comprometimento das pessoas com elas mesmas. É muito mais do que reclamar de alagamento e jogar lixo na rua: é reclamar que “está no cheque especial” enquanto come o super combo na estréia de qualquer filme 3D, lembrando na fila da academia em que fez o plano anual mas não vai. Como alguém assim pode dizer que a cidade ou o mundo não funcionam por causa dos governantes?
Nesse sentido, admiro os ciclistas diários. Considero uma tremenda loucura andar de bicicleta entre os carros e um descabimento o que vejo com frequência: ônibus andando bem devagar, às vezes lotado, só porque tem um ciclista na sua frente. Faixa de ônibus não é lugar de bicicleta, mas incomodaram tanto que as ciclofaixas já são uma realidade – a prefeitura teve que dar um jeito. Pena ter havido mortes.
No início do blog eu havia comentado do “movimento no-co”, algo como renúncia ao mundo corporativo e que estava bem presente em meu contexto à época, que depois perdeu sentido. Mais de ano se passou e uma revista de circulação nacional mencionou em sua capa o movimento sem nominá-lo. Percebo agora uma variante disso: “simplesmente enchi”.
Essas pessoas fazem meu otimismo ser renovado. Não é a rebeldia de décadas atrás, de querer separar-se do mundo e, com isso, imaginar-se vivendo outra realidade. Hoje as pessoas continuam integradas, produzindo e vivendo, apenas não aceitam sujeitar-se ao que mina o respeito a si, viram exemplos que incentivam os outros a imporem seus limites, não se escondem, mas se expõem: “gosto, quero, mas não desse jeito - e pago o preço por ser assim”.
É um novo contexto, não o fim do mundo de que se ocupam alguns.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Indo às compras

O desapego tem se mostrado a melhor publicidade subliminar do capitalismo. O mecanismo é simples: como terei que aprender a ficar sem, adquiro qualquer coisa - e como é qualquer coisa nem preciso preocupar-me se vai durar, pode até ser descartável, é mais para dizer "tenho ó". Afinal, em qualquer grupo, ai de você se não tiver "x" (uma variável que muda conforme o grupo).

Outro senso comum é a necessidade de não estagnar energia. Dessa forma, o que você não usa, tem que doar, nem que seja para o cesto do lixo. O entusiasmo de ser um ser altruísta, que trabalha para propiciar aos outros o acesso a bens que você mesmo não curtiu como deveria, e o maior espaço livre nas prateleiras são um novo convite ao consumo.

Lógico, pelos dois parágrafos acima, que não me enquadro no citado contexto - reflito muito antes de me desfazer de alguma coisa e, talvez por isso, também antes de adquirir. Como tudo, há ônus e bônus, como ser surpreendida com a descontinuidade de um produto ou achar algo no armário que era exatamente o que você estava precisando e nem se lembrava que tinha.
 
Gosto muito de novidades, acho divertidíssimo testar produtos novos e devo contar nos dedos as vezes em que repudiei um "test-drive". Só que também fico sem chão quando não encontro o que estou acostumada.
 
Fiquei empolgadíssima quando aprendi a fazer tapioca, mais ainda com o leite condensado light. Acho que pararam de fabricá-lo. Fiquei triste com a constatação e depois de uns dias resolvi que eu merecia ao menos um brigadeiro. O meu abridor, companheiro há mais de década, movido a manivela, não encaixava na lata de formato irregular - não sei o motivo da troca da embalagem, mas senti-me mais perdida ainda com a lata fechada na minha frente. No final deu certo, mas é mais provável que eu mude de embalagem do que de abridor.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

PMBOK

Eureka! Foi essa a minha reação, há alguns anos, quando descobri o significado da sigla acima. Alguém havia explicado didaticamente o que eu sempre fizera instintivamente, de certa forma contrariando o senso comum.
 
É simples: somos programados para trabalhar nos dias úteis, acordar em determinados horários, ensinados a não "pular refeições" etc. O final de semana e os feriados, junto com as férias, são o momento em que podemos não fazer isso - mas acabamos repetindo o básico do dia a dia; diferente mesmo é o local em que se pratica a "nova rotina". A vida torna-se um processo, ou seja, uma sucessão de atos preordenados e previsíveis - um tédio para alguns.
 
Mas também é possível viver os processos considerando-os como projetos, um pelo menos para cada papel desempenhado na vida: "projeto família", "projeto amigos", além do martelado "projeto profissional". Assim, você acorda cedo não porque precisa trabalhar, mas porque é necessário ao seu projeto "casa própria", "carro novo", "férias dos sonhos" ou "liberdade financeira". Cada um resolve o projeto que vai priorizar e qual será engavetado, o que gera uma motivação constante.
 
Mudar de projeto não significa que os processos precisem ser revistos, nem mudar de processos significa novo projeto. Viver a vida como vários projetos interrelacionados entre si foi o que extrai de meus estudos de PMBOK (profissionais da área que me perdoem, mas foi a melhor utilidade que tive da leitura). 
 
Um feriado em casa, por exemplo, em uma vida de processos, tenderia a ser frustrante. Agora, em uma vida de projetos, é possível "tirar da gaveta" algum projeto de amizade, criar um projeto de programa ao ar livre e até estabelecer a meta de não enfrentar fila. Nem é preciso brainstorm para montar vasto rol de possibilidades, a dificuldade está em acertar nas escolhas - ou saber revê-las a tempo.

domingo, 2 de setembro de 2012

Cantigas infantis em novas versões

Tenho percebido a dita mudança de parâmetro muito mais como uma mudança de nomes do que alguma alteração significativa. Algumas das coerografias e músicas do atual universo infantil, que alguns incentivam e outros se escandalizam, é um exemplo.
 
Eu achava tristíssimo saber que o boi tinha morrido e ficava com pena da vaca, anos depois é que descobri que havia touro, que a vaca talvez até tivesse vivido melhor sem o boi. Para a criança urbana, parece-me mais adequado cantar
 
"Muita água ferveu
não será desperdiçada
pinga um limão, qu'esfriando
vira limonada"
 
Simples, com coreografia acessível a todas gerações e - se houver algo que a criança pergunte - terá uma explicação ecologicamente correta.
 
* * *
 
Provavelemente muito pouco se sabe sobre o Itororó de quando "lançaram" a famosa cantiga, quando a criança perguntar seu significado, talvez mais confusa fique, ou então vai compreender a convenção de uma relação superficial (tem versões que o cantor encontra e deixa a linda morena, em outras encontra e beija, sendo ela totalmente desprovida de vontade). Para que o inconsciente não grave tal convenção, algumas sugestões:
 
Fui na biblioteca,
Muitos livros encontrei
Li histórias divertidas
Com certeza voltarei.

Fui na biblioteca
Com as letras eu brinquei
Pintei lindos desenhos
Com certeza voltarei.

Fui na biblioteca
Muitos vídeos encontrei
Achei divertido
Com certeza voltarei
 
Certamente existem versões mais criativas, o que não dá é para estimular quem às vezes sequer está falando a atirar o pau no gato...

sábado, 1 de setembro de 2012

Uma iniciativa digna - não apenas de nota.


Nessa semana assisti pela primeira vez a última entrevista de Clarice Lispector (está no You Tube, é a gravação de um programa da TV Cultura). Duas de suas afirmações ficaram ressoando para mim. A primeira, de que não se considerava escritora, pois era um rótulo que a isolava. Escrevia por prazer, não por uma obrigação profissional. A segunda, de que não conhecia as pessoas que haviam escrito sobre ela.

De certa forma, até então eu não havia percebido como é muito mais fácil falar sobre o que não se conhece. Escrevo aqui o que conversaria com amigos ou conhecidos. Questões mais técnicas parecem-me temerárias de serem tratadas neste espaço e é com muita disciplina que deixo de opinar, por exemplo, sobre o julgamento do mensalão ou a imposição de cotas no ingresso das federais (estou apreensiva com as duas possibilidades que vejo: a de a classe média voltar a matricular seu filhos nas escolas públicas, voltando a faltar acesso aos pobres, ou da qualidade das federais passar a ser a dos colégios públicos de hoje - #prontofalei).

Quando o diploma de jornalismo deixou de ser exigível, muitas foram as críticas. A imparcialidade do jornalista não é mais um atributo absoluto, nem é preciso que haja embasamento. E sem embasamento afirmações viram verdade absoluta (se é que existe verdade absoluta).

Minha seletividade tem sido ler entrevistas – atividade que só bons jornalistas conseguem fazer bem. Mas não é por isso que falo de Clarice, nem dos jornalistas. É porque apesar das bobagens que são publicadas com destaque ainda me surpreendo positivamente com iniciativas de utilidade pública feitas pela mídia, em situações delicadas que só quem está na superfície consegue tratar.

Falo do especial do Diário Catarinense. Para quem não sabe ou não se lembra, na década de 80, descobriu-se que crianças brasileiras eram vendidas para casais no exterior. Estima-se em 3mil, número de difícil verificação já que documentos falsos eram usados e a adoção descentralizada. Hoje adultos de aproximadamente 30 anos, há quem queira conhecer a mãe biológica. Há mães que se interessam, outras que escondem da atual família o que fizeram - mais uma questão de direitos humanos que finge-se não existir. 

A página criada informa a situação resgatando reportagens da época e mostrando um grupo de adultos de Israel nascidos no Brasil e unidos na busca de sua origem. São reportagens, não é abordado se a aproximação é saudável para os envolvidos, nem o motivo das autoridades nacionais não ajudarem na investigação, já que muitas mães foram enganadas ou tiveram suas crianças furtadas. Sem julgar envolvidos, o jornal abre um importante canal de comunicação para quem espontaneamente quiser rever seu passado.