sábado, 1 de setembro de 2012

Uma iniciativa digna - não apenas de nota.


Nessa semana assisti pela primeira vez a última entrevista de Clarice Lispector (está no You Tube, é a gravação de um programa da TV Cultura). Duas de suas afirmações ficaram ressoando para mim. A primeira, de que não se considerava escritora, pois era um rótulo que a isolava. Escrevia por prazer, não por uma obrigação profissional. A segunda, de que não conhecia as pessoas que haviam escrito sobre ela.

De certa forma, até então eu não havia percebido como é muito mais fácil falar sobre o que não se conhece. Escrevo aqui o que conversaria com amigos ou conhecidos. Questões mais técnicas parecem-me temerárias de serem tratadas neste espaço e é com muita disciplina que deixo de opinar, por exemplo, sobre o julgamento do mensalão ou a imposição de cotas no ingresso das federais (estou apreensiva com as duas possibilidades que vejo: a de a classe média voltar a matricular seu filhos nas escolas públicas, voltando a faltar acesso aos pobres, ou da qualidade das federais passar a ser a dos colégios públicos de hoje - #prontofalei).

Quando o diploma de jornalismo deixou de ser exigível, muitas foram as críticas. A imparcialidade do jornalista não é mais um atributo absoluto, nem é preciso que haja embasamento. E sem embasamento afirmações viram verdade absoluta (se é que existe verdade absoluta).

Minha seletividade tem sido ler entrevistas – atividade que só bons jornalistas conseguem fazer bem. Mas não é por isso que falo de Clarice, nem dos jornalistas. É porque apesar das bobagens que são publicadas com destaque ainda me surpreendo positivamente com iniciativas de utilidade pública feitas pela mídia, em situações delicadas que só quem está na superfície consegue tratar.

Falo do especial do Diário Catarinense. Para quem não sabe ou não se lembra, na década de 80, descobriu-se que crianças brasileiras eram vendidas para casais no exterior. Estima-se em 3mil, número de difícil verificação já que documentos falsos eram usados e a adoção descentralizada. Hoje adultos de aproximadamente 30 anos, há quem queira conhecer a mãe biológica. Há mães que se interessam, outras que escondem da atual família o que fizeram - mais uma questão de direitos humanos que finge-se não existir. 

A página criada informa a situação resgatando reportagens da época e mostrando um grupo de adultos de Israel nascidos no Brasil e unidos na busca de sua origem. São reportagens, não é abordado se a aproximação é saudável para os envolvidos, nem o motivo das autoridades nacionais não ajudarem na investigação, já que muitas mães foram enganadas ou tiveram suas crianças furtadas. Sem julgar envolvidos, o jornal abre um importante canal de comunicação para quem espontaneamente quiser rever seu passado.

Nenhum comentário: