sexta-feira, 29 de março de 2013

Experienciando

Seria o seu primeiro personagem virtual, talvez mais vivo do que muitos, principalmente dos não iniciados no palco, dos ainda não filmados – apenas lidos.
 
Pertencia a um grupo, individualidades com algo em comum. A partir da mesma metodologia: pesquisa de campo e entrevista, cada um montou seu personagem.
 
Achou que se lembraria dos outros perfis, não quis anotá-los. Limitou-se a avisar ao grupo a realização de sua tarefa e começou a adicionar os nomes estranhos que lhe eram sugeridos pela rede social.
 
Amizades aceitas e a surpresa: aquelas pessoas existiam, não eram personagens. Antes do convite pareciam virtuais também, sem amigos, mas agora o sabia às centenas. Nomes estranhos para sua realidade, não para o interior da Venezuela.
 
Quem não vê cara, não vê coração, lembrou-se. Aqueles jovens permitiram-lhe acesso a suas informações pessoais sem saber qualquer informação sua a respeito (ou a respeito de seu personagem, melhor dizendo). E se houvesse alguma má intenção no convite, ao invés de mera trapalhada?
 
A vida real também é assim. Bandidos vestem-se bem, pobres pagam caro por marcas e ricos mantém simplicidade no modo de viver – o contrário do que nos fazem crer. Nas cidades, corremos tantos ou mais riscos do que no meio do mato. Nas redes sociais e Internet, corremos tantos ou mais riscos do que fora da tela.
 
Por que crianças e jovens que não sabem andar na rua sozinhos têm liberdade para navegar, surfar sozinhos? A violência física é a mais fácil de cicatrizar, eventualmente apenas mais difícil de esconder. Mas não é a única violência possível, nem a pior. Não há esconderijo atrás de uma tela, apenas vulnerabilidade.
 
Impressionou-se com a quantidade de convites a que teve que recusar, mais ainda com as fotos das amizades sugeridas. Uma delas merecia denúncia. Fez. No dia seguinte, recebeu e-mail avisando o cancelamento daquela linha do tempo e garantindo-lhe anonimato. Ufa! Estranhamente, tanto fotos daquele tipo quanto os convites cessaram.
 
Agora, com a aparente tranqüilidade, resta apenas aguardar a inclusão dos outros personagens para o início do próximo exercício.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Almoço e Janta


- Obrigada, mas vou manter o pedido: acho que é menos calórico.
- Se a senhora prefere algo mais saudável, o chá também está incluído no combo.
- É diet?
- Hmm, não sei, deixe-me ver.
O atendente desloca-se até a geladeira, pega uma das latas, lê o rótulo e responde sorridente:
- São só 124 calorias!
- Obrigada, vou preferir o zero mesmo. Açúcar só vale a pena no sorvete e no leite condensado.
- Mas será que o refrigerante vai ter menos calorias que o chá?
- Dizem que é zero...

 * * *
- Mais alguma coisa?
- Pimenta do reino.
Eis que, virando o frasco, o sanduíche adquire uma camada uniforme de tom preto.
- Desculpa, vou tirara o excesso. Na loja em que trabalho precisa sacudir muito para sair alguma pimenta. Posso fechar?
- A moça não vai trazer mais rúcula?
- Verdade. Vamos aguardar a rúcula, então. Fulana! A rúcula.
Momento de silêncio. Ninguém mais na fila.
- Moço, enquanto a rúcula não vem, posso já ir pagando?
- Claro, claro.
O pagamento é feito com o cartão, que primeiro não encaixa na máquina. Depois, a máquina oscila entre a rebeldia de lhe caber tão fraco sinal e a indecisão de reconhecer a senha. Milagrosamente o CPF foi digitado corretamente de primeira.
- Posso fechar?
- Após a rúcula, sim.
Fulana chega com vários potinhos. O espaço da rúcula é preenchido por mais um compartimento de peito de frango.
- Você não trouxe a rúcula...
- A rúcula acabou.
- Mas tinha rúcula no pote que você levou...
- Pouca coisa.
- Vocês usam no máximo 3 galinhos por sanduíche, ainda dava para o meu sanduíche...
- Infelizmente coloquei no lixo, senhora.
- Essa é a terceira loja em que vou e não tem rúcula.
- A senhora me desculpa, não sou dessa loja, não sabia que a fulana não ia trazer a rúcula. Posso fechar?
- Nós encomendamos, mas não nos entregam. E temos que usar no dia em que recebemos, por isso acontece de acabar.
- Mas poderia ter algum substituto.
- Infelizmente não tem senhora, posso fechar?

 * * *

- Você soube o que eu descobri, Maria?
- Não, o quê?
- Sou vizinha dela.
- Deve ser mesmo, vocês pegam o mesmo ônibus.
- Qualquer dia desses vou lá fazer uma visita, tomar um café.
- Vá mesmo, a qualquer hora - costumo ficar em casa.
- Ôxe. Tomar café? Café tem aqui no trabalho. Se você vai visitá-la, vá para o almoço e fique para o jantar.
 

 

quarta-feira, 20 de março de 2013

Reciclar também pode ser economizar

- Moço, quanto está a encadernação?

- A partir de R$2,50.

- Se eu acrescentar aqui, depois, mais umas trinta páginas, muda o preço?

- Cobro R$1,00 para fazer o furo – coloco já uma espiral que a dona pode usar também com mais folhas.

 Dias depois...

- Gostaria de furar essa apostila.

- R$1,00.

E, assim, utilizando capas antigas que tinha em casa, de trabalhos anteriores, ao invés de pagar por cinco encadernações, pagou apenas pelo furo nas folhas, em quantidade equivalente a cinco apostilas. E ai do encadernador se resolver ler o conteúdo e perceber tantas capas iguais!

Resultado: R$2,50 x 5 = R$12,50 – R$1,00 = R$11,50 de economia ou 92%, para quem pensa em percentual.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Questões incompreendidas

Chegando ao pronto-socorro, o cartão do convênio foi recusado. Depois soube que nenhuma mudança ocorrera na apólice, mas que ela só era respeitada se houvesse insistência. A informação foi dada como se, na pressa, terceiros fossem pressupor isso. Enquanto não é tomada a decisão quanto à mudança de plano, a carteirinha passa a ter a seguinte etiqueta: apólice com negociação diferenciada, ligar para operadora antes de recusar. Será que vai adiantar?
* * *
 
O comprovante de pagamento vai ser necessário em 30 anos, não agora. Se pagar pela Internet, ou o comprovante impresso é uma cópia simples (facílima de ser contestada e imitada), ou será um arquivo eletrônico existente enquanto houver a conta bancária. Na agência, agora, não tem mais a chancela mecânica, feita com tinta no boleto, mas é entregue papel fotossensível, que se apaga antes dos cinco anos previstos - cópia do comprovante é tão inútil como prova quanto a impressão da transação. Alternativa seria autenticar cópia do documento, custo que antes não se tinha, ou ficar pedindo ao órgão arrecadador comprovação do pagamento (ônus ao erário público). Quem regula isso?
 

 

sexta-feira, 8 de março de 2013

(Re) passando o tempo

Queimada. Eu conhecia como caçador e com regras diferentes. Eram dois times, uma das poucas brincadeiras de infância com bola de que eu gostava – e muito. No caçador, toda vez que a bola é lançada pelo time adversário, ela é um tiro. Quem é atingido vira caçador. Na queimada não é assim: como no caçador, pode-se fugir ou pegar a bola, mas se ela encostar ou se cair da mão – é fim de jogo.

Caçar matando eu entendia, mas queimar...? Qual a relação do jogo com seu nome? Muito pouco sei sobre queimadura, é verdade. Lembrei-me do jogo enquanto permanecia com a perna parcialmente empolada apoiada na cabeceira da cama.

Ainda não me conformo que possa ter me esquecido de passar protetor na panturrilha, um descuido tão idiota quanto o de ser atingida por uma bola evitável. A inconsequência tem consequências; sobrevive quem foge ou enfrenta (segurando a bola e não a deixando cair).

Também tem o desconforto, da coceira ou de assistir ao jogo sem estar nele. Sim, na queimada quem é queimado fica de fora; já no caçador, quem é caçado pode ficar em uma extremidade e ajudar a eliminar o adversário, enquanto há jogo, participa quem quer.

Insolação, definitivamente, não tive. Logo, a comparação pode até parecer – mas não é delírio. Um exemplo apenas de como se pode conseguir argumentar sobre qualquer coisa e em qualquer direção.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Pragas Urbanas

Cecília Meireles tem um poema que descreve a receita de veneno para baratas, lembro de tê-lo lido na escola. O Google, no entanto, não foi tão eficiente em apontá-lo. Mesmo assim lhes garanto que há e é tão precioso quanto o do Chico Bolacha.

 

Recentemente estive em ambiente tropical no qual surpreendi-me por não ver nem baratas, nem ratos. Usavam, para ratos, em ambiente de ampla vegetação e consumo de comidas, a ratoeira da foto. As baratas, não sei porque não havia - talvez fosse excesso de galos, galinhas e pintinhos ciscando por tudo: rodovias, pátios e telhados.

 

Hoje, ao sair de um bar com amigos, um morador de rua pediu-nos ajuda: ele precisava de dinheiro para comprar velas e, com elas, afastar ratos. Velas de sete dias não adiantavam, ele precisava de 2 pacotes por noite de velas simples, oito por vez. Estava descalço porque a ausência de claridade impedia-o de achar tanto o tênis ganho quanto os dois chinelos de dedo que possuía.

 

Não sou de distribuir esmolas, nem sei se foi efeito da cerveja ou da companhia dos amigos ou a argumentação coerente do rapaz: o certo é que distribui algumas das moedas que tinha, achei honesto ele mencionar que o restaurante da esquina da Av. Paulista com a Joaquim Eugenio Leite lhe garantia uma marmita diária mais uma cesta básica de vez enquando e de que sua necessidade era de velas, não de comida. Também ter mencionado ter o que calçar foi argumento relevante ao seu pedido de esmola.

 

Básico do básico: ter condições de dormir. E, para quem não dorme, afinal, por precisamos desviar de baratas toda vez que chove? O que é feito para combater pragas urbanas? Será que o interesse eleitoral em exterminá-las é o mesmo de canalizar o esgoto? Será que não dá voto? Dúvidas...

segunda-feira, 4 de março de 2013

Transporte Público


O transporte público, dependendo do horário, parece-se muito ao transporte escolar. Não apenas pelos estudantes presentes, mas porque muitos trabalhadores – os privilegiados que possuem horário e não fazem hora-extra, também estabelecem laços de amizade.
Esse era um dos motivos de A. não ter pressa. Podiam os outros passar na sua frente, B. guardaria o seu lugar. Ao passar a catraca, as apressadas pessoas não corriam mais e, resignadas, lhe deram passagem até que chegasse ao banco em que B. estava.
 
A.: Oi.

B.: Oi. Melhorou hoje?

A.: Não estava doente.

B.: Falo do seu projeto.

A.: Se fosse meu estaria bom.

B.: Você entendeu. Foi melhor o seu dia hoje?

A.: Não sei. Melhor esquecê-lo, pelo menos até amanhã. E você, seu dia?

B.: Nada de mais. O telefone tocou pouco, sempre engano.

A.: Você prefere assim?

B.: Assim como? Com enganos?

A.: O telefone não tocar, ter silêncio e tempo.

B.: O tempo lá é sempre o mesmo. Tem hora de entrar, tem hora de sair. Não entendo do que você fala.

A.: Conversamos mais amanhã, hoje desço aqui.

B.: Então não vai para casa?

A.: Não, hoje é que estou indo para casa.

A. sai do ônibus e B. permanece no banco, seguindo seu trajeto em silêncio.