Choveu muito e, em seguida, abriu sol. Foi uma semana de mudança de trajeto – uma buzina insistente lhe obrigou a olhar para trás e perceber possível tentativa de assalto, depois, ali próximo, uma mulher ofereceu carona no guarda-chuva e contou que tinha medo de passar naquele tão conhecido lugar. Entendeu o recado e mudou de caminho.
Algumas quadras a mais e dezenas de zumbis pelas ruas. O termo certamente não é o mais apropriado, mas como descrever pessoas em trapos, com olhar e andares vagos? Bem, novos caminhos, novas vivências. Em frente a um hotel, fãs de algum artista estrangeiro aguardavam. O pedinte tinha um isqueiro. Percebeu que os homens fumando não falavam português, dirigiu-se às meninas que lhe disseram “você não é mais pobre”.
Lógico que o homem ainda era pobre, a adolescente referia-se ao esculacho do programa da Prefeitura: moradia + 3 refeições + R$15 por duas horas de capacitação. Receber R$ 7,50 a hora, sem precisar comparecer todo dia e, mesmo assim, ter comida e casa garantida, nem profissional especializado consegue – resta saber qual o raciocínio para pensar que a pessoa vai largar o vício e essa vida para ganhar menos e passar por mais privações.
Raciocínio simples: R$ 7,50 x 220 horas mensais = R$1650,00, remuneração que o INSS já considera intermediária, com desconto maior: o trabalhador celetista tem pelo menos 6% de desconto de VT e, nesta faixa, já desconta 9% de INSS, ou seja, só quem ganha R$1941,00 por mês tem o líquido de R$1650 – mas ainda assim tem que pagar por moradia e comida.
É esperar para ver se vai dar resultado, tomara que dê, para não ser mais dinheiro jogado fora, privilegiando quem “chuta o balde” em detrimento do que se sacrifica. Doença? Em alguns contextos, difícil saber o que é mais doentio, se permanecer ou fugir, só que nesses contextos não se mexe, nem nos mais simples que atingem a todos.
Banheiro público a cidade continua sem. Daria dignidade a todo mundo e melhoraria inclusive a mobilidade das pessoas – não dá para pensar que obrigatoriamente as pessoas não saberão usar, nem achar que os estabelecimentos comerciais precisam disponibilizá-los.
Falta de banho dificulta a socialização de qualquer vivente, se não estão ainda exigindo que os empregadores ofereçam chuveiro, para melhorar a convivência dentro do transporte público, nada mal se houvesse a sua oferta desvinculada do pseudo cárcere privado dos abrigos – mesmo que sendo pago a valor simbólico.
Afinal, o que faz uma pessoa sair cedo de casa, ficar em média 2 horas de pé num transporte lotado, trabalhar o dia todo, voltar à noite, quase não ver família, viver em ambiente violento e, mesmo assim, seguir as regras sociais? Há estudos de antropologia baseados em uma ideia totalmente contrária ao programa, em que se valoriza o conhecimento de pessoas que dão certo, apesar das adversidades, como forma de compreender seus valores para multiplicar o modelo - mas recebem menos financiamento e vendem menos jornal, devem dar menos voto também.
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