- Por qual motivo a senhora não realizou o pagamento do
Licenciamento junto com o do IPVA?
- Porque não tinha desconto.
- A senhora tinha conhecimento de que poderia receber o
DPVAT pelo correio?
- Sim
- E por qual motivo a senhora não solicitou o envio pelo
correio?
- Não estava a fim de pagar R$11,00
Das atividades programadas para o dia, o diálogo acima, não
programado, foi o que houve de mais produtivo. Pois é.
Após descobrir que a Justiça Federal emendou o feriado, ou
seja, só voltará a funcionar na quinta, ir ao centro ficou inevitável. Com leve
garoa, peguei metrô. Teoricamente linha verde + linha azul seria o trecho mais
rápido para a Sé...
A estação Paraíso estava lotada de pessoas e os vagões do metrô
vazios com luzes apagadas. Ao meu lado, um funcionário empurrava uma cadeira de
rodas sem ninguém. Achei que o problema já durasse algum tempo, pois alguém
teria passado mal na multidão. Na verdade a cadeira era para o deslocamento de
uma apressada que ficara entalada entre o vagão e a plataforma. Vi a mulher na
cadeira, tinha gesso em uma perna, muletas e estava emburrada. Ironia: sua
pressa atrapalhou todo mundo e ela acabou não embarcando.
Consegui entrar no segundo metrô após a normalização das
atividades. Um senhor cedeu lugar para uma senhora, ela lhe agradeceu com uma
daquelas frases que citam Jesus. O velho lhe retrucou e houve uma certa
discussão. Falando para quem quisesse ouvir, ele contou que estava vivo graças
ao atendimento da polícia, que lhe socorreu no meio da rua, e ao pessoal do
Hospital São Paulo. Ao todo, teria colocado 3 stents, que a enfermeira de lá
era ótima, apesar de evangélica...e olhou para mim, que estava de coque (melhor
opção para transporte público quando se tem cabelo comprido). Apesar do pouco
espaço, rapidamente consegui mexer-me, uma forma de desviar-lhe a atenção, seja
deixando claro, pelo decote, de que eu não pertencia ao grupo que ele
implicava, seja porque serviu de pretexto para iniciar a conversar com o militar que estava ao meu
lado.
No centro descobri que a Justiça Estadual também emendou o
feriadão, assim como o Tribunal de Contas do Estado também estava fechado. Para
não perder a viagem resolvi arriscar o Detran do Poupa Tempo. Sistema fora do
ar, fui atendida rapidamente por mostrar o comprovante de pagamento do
licenciamento. Ganhei uma senha. “siga a linha azul e aguarde ser chamada” foi
a orientação. A tal linha azul seguia tanto para a direita quanto para a
esquerda. Lógico que escolhi a direção contrária à certa. Deve ser de
propósito, perder-se diminui o tempo de espera.
Na senha constava “verifique o painel 3”. Na sala de espera havia
dois painéis, o painel 1 e outro sem indicação alguma. Novo footing até
encontrar um funcionário ou o tal painel 3, o que aparecesse primeiro. Descobri
que os números seriam chamados oralmente. Voltei à sala de espera, ajeitei-me
no banco de madeira e fiquei tentando localizar a origem da correnteza de
vento. Foi quando respondi o questionário transcrito acima.
Distrai-me observando as pessoas, imaginando a melhor forma
de descrever seus trejeitos e em qual história a personagem baseada nelas seria
mais adequada, se ficariam mais interessantes em uma crônica ou em um curta
metragem.
* * *
Ao receber o DPVAT lembrei-me do fator mais relevante para
que não querer receber o documento pelo correio: segurança. Considero uma
temeridade andar com o endereço de casa no bolso (o que é bem diferente de ter
sempre consigo o cartão de plano de saúde e um telefone de emergência anotado
fora do celular). O documento impresso na hora pelo Detran vem sem endereço do
proprietário, no enviado pelo correio ele consta. Se assaltantes tiverem acesso
a meus documentos – com ou sem a minha presença – prefiro que não saibam onde
eu moro, a ausência de informação pode manter-me mais tempo viva ou ser uma
dificuldade que façam bandidos mudarem de ideia.
Procurei o funcionário pesquisador e interrompi sua conversa
com colegas:
- Lembrei-me de mais um motivo para vir aqui e não pedir
para o correio entregar o licenciamento.
- Como?
- Eu fiz parte da amostragem, você perguntou por que eu não
havia solicitado o licenciamento pelo correio... Lembrei de mais um motivo:
vindo aqui não consta endereço.
- Posso pedir para consertar, disse-me enquanto abria o
DPVAT e olhava intrigado para o espaço em branco.
- Não há o que consertar, é assim que prefiro. Considero até
temeridade o endereço ser impresso, é isso que eu quero que você anote aí.
- Preciso ver como isso funciona antes de escrever.
- Não vai esquecer?
- ã?
Sai sem convicção. 17:44 marcava o relógio. Com um pouco de
frio, queimei a língua como há muito não acontecia no costumeiro café com
leite. Voltei para a casa a pé: impensável estação da Sé às 18:00.
No caminho tive notícia de pessoas queridas e soube depois
que a cidade registrara menor congestionamento: uma prova da quantidade de
pessoas que trabalham em função do judiciário e uma probabilidade de que o
metrô teria sido melhor opção do que a caminhada. Uma reunião de condomínio
(sorteio das vagas) me aguardava, mas depois de tanto tempo mal aproveitado preferi
ficar em casa e registrar minha tarde por aqui.
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