segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Tarde das Bruxas


- Por qual motivo a senhora não realizou o pagamento do Licenciamento junto com o do IPVA?
- Porque não tinha desconto.
- A senhora tinha conhecimento de que poderia receber o DPVAT pelo correio?
- Sim
- E por qual motivo a senhora não solicitou o envio pelo correio?
- Não estava a fim de pagar R$11,00
 * * *

Das atividades programadas para o dia, o diálogo acima, não programado, foi o que houve de mais produtivo. Pois é.
Após descobrir que a Justiça Federal emendou o feriado, ou seja, só voltará a funcionar na quinta, ir ao centro ficou inevitável. Com leve garoa, peguei metrô. Teoricamente linha verde + linha azul seria o trecho mais rápido para a Sé...
A estação Paraíso estava lotada de pessoas e os vagões do metrô vazios com luzes apagadas. Ao meu lado, um funcionário empurrava uma cadeira de rodas sem ninguém. Achei que o problema já durasse algum tempo, pois alguém teria passado mal na multidão. Na verdade a cadeira era para o deslocamento de uma apressada que ficara entalada entre o vagão e a plataforma. Vi a mulher na cadeira, tinha gesso em uma perna, muletas e estava emburrada. Ironia: sua pressa atrapalhou todo mundo e ela acabou não embarcando.
Consegui entrar no segundo metrô após a normalização das atividades. Um senhor cedeu lugar para uma senhora, ela lhe agradeceu com uma daquelas frases que citam Jesus. O velho lhe retrucou e houve uma certa discussão. Falando para quem quisesse ouvir, ele contou que estava vivo graças ao atendimento da polícia, que lhe socorreu no meio da rua, e ao pessoal do Hospital São Paulo. Ao todo, teria colocado 3 stents, que a enfermeira de lá era ótima, apesar de evangélica...e olhou para mim, que estava de coque (melhor opção para transporte público quando se tem cabelo comprido). Apesar do pouco espaço, rapidamente consegui mexer-me, uma forma de desviar-lhe a atenção, seja deixando claro, pelo decote, de que eu não pertencia ao grupo que ele implicava, seja porque serviu de pretexto para iniciar a conversar com o militar que estava ao meu lado.
No centro descobri que a Justiça Estadual também emendou o feriadão, assim como o Tribunal de Contas do Estado também estava fechado. Para não perder a viagem resolvi arriscar o Detran do Poupa Tempo. Sistema fora do ar, fui atendida rapidamente por mostrar o comprovante de pagamento do licenciamento. Ganhei uma senha. “siga a linha azul e aguarde ser chamada” foi a orientação. A tal linha azul seguia tanto para a direita quanto para a esquerda. Lógico que escolhi a direção contrária à certa. Deve ser de propósito, perder-se diminui o tempo de espera.

Na senha constava “verifique o painel 3”. Na sala de espera havia dois painéis, o painel 1 e outro sem indicação alguma. Novo footing até encontrar um funcionário ou o tal painel 3, o que aparecesse primeiro. Descobri que os números seriam chamados oralmente. Voltei à sala de espera, ajeitei-me no banco de madeira e fiquei tentando localizar a origem da correnteza de vento. Foi quando respondi o questionário transcrito acima.

Distrai-me observando as pessoas, imaginando a melhor forma de descrever seus trejeitos e em qual história a personagem baseada nelas seria mais adequada, se ficariam mais interessantes em uma crônica ou em um curta metragem.

* * *

Ao receber o DPVAT lembrei-me do fator mais relevante para que não querer receber o documento pelo correio: segurança. Considero uma temeridade andar com o endereço de casa no bolso (o que é bem diferente de ter sempre consigo o cartão de plano de saúde e um telefone de emergência anotado fora do celular). O documento impresso na hora pelo Detran vem sem endereço do proprietário, no enviado pelo correio ele consta. Se assaltantes tiverem acesso a meus documentos – com ou sem a minha presença – prefiro que não saibam onde eu moro, a ausência de informação pode manter-me mais tempo viva ou ser uma dificuldade que façam bandidos mudarem de ideia.

Procurei o funcionário pesquisador e interrompi sua conversa com colegas:
- Lembrei-me de mais um motivo para vir aqui e não pedir para o correio entregar o licenciamento.
- Como?
- Eu fiz parte da amostragem, você perguntou por que eu não havia solicitado o licenciamento pelo correio... Lembrei de mais um motivo: vindo aqui não consta endereço.
- Posso pedir para consertar, disse-me enquanto abria o DPVAT e olhava intrigado para o espaço em branco.
- Não há o que consertar, é assim que prefiro. Considero até temeridade o endereço ser impresso, é isso que eu quero que você anote aí.
- Preciso ver como isso funciona antes de escrever.
- Não vai esquecer?
- ã?
Sai sem convicção. 17:44 marcava o relógio. Com um pouco de frio, queimei a língua como há muito não acontecia no costumeiro café com leite. Voltei para a casa a pé: impensável estação da Sé às 18:00.
No caminho tive notícia de pessoas queridas e soube depois que a cidade registrara menor congestionamento: uma prova da quantidade de pessoas que trabalham em função do judiciário e uma probabilidade de que o metrô teria sido melhor opção do que a caminhada. Uma reunião de condomínio (sorteio das vagas) me aguardava, mas depois de tanto tempo mal aproveitado preferi ficar em casa e registrar minha tarde por aqui.

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