Temporal é gostoso de ser visto do lado de dentro de uma
janela. Quanto mais alto o andar, melhor o espetáculo. No sábado a armação de
meus óculos quebrou e hoje fui ao oftalmo. Exatamente durante o meu
deslocamento para a consulta começou a chover.
A ideia inicial era ir a pé, mas os primeiros pingos foram
suficientes para quebrar meu guarda-chuva sem virá-lo (o investimento na
armação de alumínio não se justificou). Atravessar a Av. Paulista foi uma
aventura, já que o vento soltou meu cabelo, que dava laçassos no que estivesse
próximo, parecia ter vida própria, exigindo esforço para manter-me andando em
linha reta. Já do outro lado, no ponto de ônibus, persistente entre a água que
saia de um bueiro na calçada e as ondas formadas pelos carros, pedi ajuda para
uma moça que também tentava se defender com o seu guarda-chuva:
- O ônibus que vem ali, qual é?
(silêncio).
- Poderia ler para mim o que vem escrito ali no ônibus?
(a mulher olhava para mim meio que sem entender, senti
necessidade de explicar que não estava zombando nem que era analfabeta).
- Estou sem óculos, indo para uma consulta no oftamologista,
por isso não consigo enxergar, o que está escrito naquele letreiro do ônibus?
- Só quando chegar mais próximo é que eu consigo ler.
Resultado: passei a parar todos os ônibus e a perguntar ao
motorista. A cada parada, mais molhada ficava, mas o ônibus parado, por sua
vez, era um alívio pelo bloqueio do vento. No fim cheguei a tempo na consulta, quando
já abria um tímido sol.
As brincadeiras do médico por causa da chuva e do estado em
que me encontrava, além do fato de ir e voltar com o mesmo bilhete único, neutralizaram
meu frio e o receio de uma gripe. Acho que faz dois anos que não me molho
assim, estivesse na praia pegaria um xampu para aproveitar a água sem
tratamento químico de cloro nas madeixas (se você nunca tomou banho na chuva,
em dia quente, permita-se ao menos uma vez na vida, recomendo).
Também não sei qual foi a última vez que peguei um ônibus.
Percebi que os cobradores atuais passam o tempo todo no celular, batendo papo –
o da volta ficou brabo porque o passageiro reclamou que ele esqueceu-se de
avisar a parada correta. Outra questão que não havia pensado era como é
importante, em locais que recebem público, o estofamento ser impermeável. Eu
consegui deixar com que a poça de água se formasse fora do consultório, mas não
tive como não me sentar durante a consulta.
Chegando em casa, notei que algumas anotações que estavam em
cima da mesa voaram sacada a fora, 10 cm de fresta foram suficientes para o
estrago. Espero que seu conteúdo não faça falta.
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