Segurava uma caneca, não lembrava porquê. Estava na sala de
sua casa. Colocou-a no lugar e voltou a ler o livro que estava aberto no chão
ao lado da poltrona. Ao certo, não sabia quando o havia interrompido e retornou
algumas páginas; o suficiente para conseguir acompanhar a história de onde
ainda se recordava. A descrição de um dia de verão deu-lhe sede. Foi até a
cozinha e viu que um bule de chá, naquela chuvosa e quase fria tarde de sábado,
fumegava. O líquido estava muito quente para um copo, o ideal mesmo seria
colocá-lo em algo maior e mais fácil de segurar, como uma caneca...
De diferentes formas, sempre com algum atraso, vinha
percebendo “espaços em branco”, períodos demarcados pelo relógio que somente
por esse motivo sabia tê-los vivido. Resolveu prevenir-se e levou o bule até a
sala. A lâmpada deixava marcadas as imperfeições da parede, tal qual a
superfície da lua, um mundo em que talvez ela estivesse há algum tempo.
Entre um gole e outro, refletia se seria a distração a
causadora do esquecimento ou se o esquecimento seria o causador da distração. Pensou
em muitas coisas, mas não registrou nenhuma. Entre um gole e outro, refletia se
seria o esquecimento o causador da distração ou se a distração a causadora do
esquecimento. Afinal, por que lembrar-se de tudo?
Com o livro no colo, a divagação poderia apenas ser uma
desculpa para fugir de sua realidade, mas desculpa é algo que se lembra a toda hora e ela
novamente esqueceu-se - só que dessa vez de sua distração - e voltou a ler.
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