Recebi, como todo morador da capital de São Paulo (pelo menos assim está escrito), correspondência e formulário da prefeitura informando sobre Censo 2012 inclusão, destinado aos residentes do município que tenham deficiência e mobilidade reduzida.
A lei que deu origem ao Censo, como explica a carta, é de janeiro de 2010. Mesmo considerando que a eleboração do formulário não é algo que se consiga fazer rapidamente, de que há necessidade de licitar para imprimir os formulários e outros preparativos mais, a sua distribuição em ano eleitoral macula a intenção do ato. Pena.
Resolvi que manterei o formulário comigo até dia 21 de maio, data limite para sua postagem (selo pago pela prefeitura); lembrei-me de alguns cadeirantes que encontro nos semáforos, talvez não sejam residentes, talvez nem tenham conhecimento do novo canal de comunicação...
Foi aí que eu percebi: não é um canal de comunicação com o cidadão que precisa locomover-se na cidade, mas apenas levantamentos de dados estatísticos vinculados ao CEP de residência, onde moram e como preenchem o seu dia é o que perguntam, não as dificuldades que enfrentam.
Com um pouco mais de reflexão percebi que, apesar de gozar de plena saúde e preencher as características dispensadas à normalidade, eu fazia parte das pessoas com dificuldade de locomoção. Mesmo desconsiderando as vezes em que a opção pelo carro é feita por uma questão de segurança, há várias outras em que dirijo ou pego carona devido às características da cidade, não à distância a ser percorrida.
Procuro ser concisa em meus textos aqui publicados, mas resolvi transcrever o que enviei para
censoinclusao@prefeitura.sp.gov.br, e-mail destinado a tirar dúvidas, mas que resolvi transformar em canal de comunicação, afinal, vai que alguém mais se entusiasma a manifestar-se a respeito...
* * *
Prezados,
Recebi o formulário do Censo de Inclusão e, apesar de
compreender a necessidade do levantamento de dados para estabelecer
prioridades, lamento que somente em final de gestão ele comece a ser
implementado.
Não possuo deficiência, mas apesar de ter o privilégio de
morar próximo a metrô, considero-me com mobilidade reduzida.
Começo relatando-lhes fato ocorrido, relacionado a uma
indignação: não tem cabimento ser mais fácil – com mala – chegar e sair de
Cumbica do que de Congonhas! Apenas em uma ocasião indo a Congonhas o ônibus
tinha degrau rebaixado ao invés daqueles estreitos, em que além de ruim de
subir e descer, não permite que passageiro e bagagem fiquem lado a lado.
Pois bem, subi com mala em um ônibus vazio e com degrau
rebaixado. Fiquei na parte da frente, pois geralmente o cobrador concorda em rodar
a catraca. Para minha surpresa, havia uma cadeirante; ela fez sinal para descer
e o corredor, que parecia largo, era exatamente da largura de sua cadeira.
Resultado: se não fosse possível colocar a minha pequena mala em cima de um dos
bancos vazios, eu teria que descer. O mesmo teria ocorrido se houvesse alguém
de pé. Imagina em um dia de chuva! Fiquei com dó do motorista e do cobrador,
que saem do ônibus para dar assistência, ouvindo as buzinas dos carros atrás,
pois não há recuo para os ônibus estacionarem com segurança. Além disso, se
houvesse outro cadeirante naquele horário, ele teria que aguardar o próximo
ônibus, pois só cabe um por vez.
Além de ter poucos ônibus “amigáveis” às pessoas com
mobilidade reduzida (idosos, cadeirantes, passageiros com pacotes), a
organização de seus bancos não favorece o embarcar e desembarcar dessas
pessoas. Tem que se considerar isso nas próximas compras.
Em Congonhas, ainda por cima, depois de “sobreviver” ao
ônibus, na ida ou na volta tem aquela passarela, cheia de degraus, nenhuma
rampa ou visibilidade que dê segurança a quem por ela passe (pelo menos agora,
com a existência dos camelôs, parece haver menos risco de assalto). Por que não
uso taxi? Às vezes uso, mas exclusivamente por não ter mobilidade dentro da
cidade.
Há outra questão que me obriga, de forma contrariada, a usar
carro em trechos curtos: fala-se muito da má conservação das calçadas, porém
nunca ouvi quem questionasse o declive existente entre a porta dos imóveis e o
meio-fio. Da forma como a sinalização para os veículos é feita (sim, a
sinalização da capital é para veículos, não para pedestres), geralmente há um
lado da calçada que é mais benéfico de se andar. Ano após ano, escoliose é
consequência certa. Pedestre em São Paulo não tem vez, isso é fato!
O acesso à Paulista, ao lado do MASP é um exemplo disso. Já
mudaram a faixa de segurança de lugar, mas é inviável ali – talvez deslocar o
semáforo da Paulista ajudasse, ou então inverter a “subida e descida” das
laterais do museu. Só espero que não tenha que morrer alguém para que o trecho
seja repensado.
Já fui atropelada por um entregador de fast food em pleno
Vale do Anhangabaú. A pedra portuguesa estava molhada, o garoto derrapou e veio
para cima de mim. Recebi 6 pontos na perna e o roxo da minha barriga levou
quase 2 meses para sair. Como o telefone da empresa não recebe ligação de celular (o
rapaz, sem equipamento de proteção, também se machucou) e não consegui
testemunhas, pouco resultado tive expressando minha indignação.
Se fosse um cego e não eu, ele estaria sem entender nada até agora: atropelamento
em zona de pedestre... você nem percebe que é uma bicicleta, quando está no
chão é que vê. Deveria ter uma identificação nas bicicletas de quem entrega,
para podermos denunciar irregularidades – não adianta dizer “entregador do McDonald”, eles querem saber nome, mas se o funcionário mente (ou se eles mentem
não confirmando o nome), fica o dito pelo não dito. Já vi skatista atropelando
na calçada da Paulista, imagina o inferno que vai ficar se não forem
regulamentadas as outras formas de transporte e as calçadas ficarem boas. Ciclistas querem espaço, não sou
contra, mas a cidade precisa urgente sinalizar como cegos, cadeirantes, idosos
e pessoas com ou sem pressa conviverão com as alternativas sobre rodas
existentes em calçadas cada vez mais estreitas.
Por fim, lembro que a fumaça exalada pelos ônibus e demais
veículos, que mancha as roupas claras de quem caminha, sem falar nos pulmões, obriga
o trabalhador que depende de uma apresentação razoável para manter-se no
emprego a usar carro e não transporte público.
Talvez educação sobre o trânsito no jardim de infância, nas
escolas, nas empresas seja uma forma de melhorar a situação no médio e longo
prazo, bicicletários seguros e banheiros com duchas no trabalho também
complementariam as possibilidades de mobilidade.
Estou torcendo para que haja êxito, e que as ações não
fiquem só para a véspera da próxima campanha municipal (2016).