segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Baratas

Foi tudo muito rápido. Saía do ar condicionado de uma loja enquanto outro cliente entrava. Ao dar passagem começou a chuva de verão. Recuou permanecendo na vitrine, no fresco.

Havia pressa, sem dúvida. Guarda-chuva também. Mas ali ficou; a distrair-se. Então aconteceu. No meio fio, em localização que talvez estivesse se o relógio fosse seu dono, um homem de terno, na meia ponta, aguardava para atravessar a rua no momento em que a enxurrada se mostrava na parte superior da ladeira. Ele virou-se, certamente entraria na loja, porém elas foram mais rápidas.

Em desespero, atropelando-se umas em cima das outras - menos que vinte certamente não – fugiram da quente boca de lobo que alagava, as baratas. Elas entraram no primeiro lugar seco que encontraram: o vão escuro formado entre o tecido de mal caimento e a perna do homem.

A repulsa dominou a solidariedade e escondeu-se no fundo da loja, ficou sem saber o que aconteceu com o homem ou como é possível acudir alguém nessa situação. Pesadelos foram constantes nos dias seguintes, como um vídeo game, incansáveis baratas com diferentes poderes atacavam-lhe.

Certa noite, à sua frente, caminhava um casal com dois filhos. Conversavam em espanhol. Os meninos riam e corriam de um lado a outro: divertiam-se matando as baratas que encontravam pelo caminho. Viveríamos todos mais felizes se aprendêssemos na infância a brincadeira de matar baratas.

* * *

Talvez já tenha mencionado aqui a história acima, ocorrida em 2010. Em breve conto para vocês porque ela voltou a martelar-me a cabeça. Para mim, tão ruim quanto barata são os besouros que voam para o mar na lua cheia e ficam se batendo contra a parede, contra as lâmpadas e contra quem estiver na frente. E estamos na lua cheia agora? Brrrrr, pelo menos não estou na praia.


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