sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Feliz Ano Novo!


- Você não é daqui?

- Por quê?

- É que seu CPF não termina com 8...

- Ah!

Em suma: quando você já está no clima de ver o congestionamento das estradas, apagões nos aeroportos, igual descaso com rodoviárias que nem são notícia, a confirmação de que vai chover no feriado (pelo menos para onde você talvez fosse) e convence-se com isso que sua opção de não viajar definitivamente foi a melhor, concluindo que não há mais nada a fazer a não ser esperar o novo ano, mesmo assim, ainda há tempo para surpresas...
Nos dias ditos normais, impensável tal conversa com pessoas aguardando na fila, talvez no caixa dos idosos (em São Paulo, as pessoas, no momento da compra, podem indicar seu CPF e, com isso, participar de sorteios e restituir parcialmente o ICMS pago). Por outro lado, entre o clima de natal e de ano novo, não ter a flexibilidade (ou tentar deixar o dia tão útil quanto os demais do ano) é disparate. Afinal, quem mandou ser a única a aguardar?
Se minha compreensão foi correta, desprezando o dígito verificador (que pelo o que eu saiba, é obtido através do cálculo dos demais números), o último número menciona a região em que vive a pessoa no momento que solicita seu CPF. Em São Paulo (não sei se cidade ou Estado) é 8.
E daí? Bem, que em 2013, se você for contrariado(a) por alguma notícia, que seja por seu conteúdo aparentemente inútil, que nas filas e nos momentos de espera, você já inicie sendo o(a) próximo(a), que as pessoas à sua volta estejam sempre alegres e você consiga lembrar de respirar fundo antes de falar ou agir, transformando com respeito o que não lhe agradar.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

0 x 0

Haveria merecimento maior do que o sincero desejo? Discordava veementemente, não que tivesse deixado de querer, desejar o que sempre lhe parecera ser merecido. Faltava-lhe preguiça, sobrava-lhe prudência ante a aparente indiferença do mundo.

 
Ali, ele e seu computador somente. Ao contrário dos outros, sabia que Ctrl+z não o tornava melhor jogador, apenas garantia-lhe o resultado refazer, identificar exatamente em qual ponto tomara a decisão errada, por onde deveria recomeçar. De suas tentativas só ele sabia – e não queria saber de mudar.

 
Estratégias que dão certo devem ser mantidas enquanto não são perdedoras. Até aquele momento, 100% de êxito iludia-lhe o mostrador. O programa registrava partidas ganhas e não ganhas. Refazendo ganhava todas, desistindo, contava com a mesma sorte dos outros para vencer. E a isso não podia concordar. Afinal, apesar da prudência, faltava-lhe preguiça.

 
Pois, naquela tarde de temporal e trovões, tantos que espelhos foram cobertos e tomadas desconectadas sem dó, o pensamento lhe ocorreu. O corte de energia, o “99%” no placar não o tornou nem mais, nem menos prudente. Percebeu que também permanecia incansável e o Ctrl+z estava lá, funcionando: ainda seria o mesmo, mesmo com menos orgulho para ostentar, orgulho só dele e que para ele apenas existia.

 
Desligou-se, então, do jogo; não de suas conquistas. Refez a vida para conquistar o mundo. 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

As próximas fotos terão melhor resolução

Noite sem chuva, pareceu apropriado ver a apresentação de natal na “fonte do Ibirapuera”. Não está muito diferente do ano passado. Dessa vez cheguei cedo e observei que o horário das 20:30 é menos recomendado do que o das 21hs por dois motivos: o céu ainda não está totalmente escuro e os vendedores ambulantes estão mais atuantes.
 
Além disso, pareceu-me que há mais adultos sem noção às 20:30. Sem noção de tudo mesmo, desde as visíveis cervejas a mais (provavelmente consumidas durante a tarde) até irresponsáveis acompanhados de suas crianças.
 
O raciocínio é simples: se a criança não jantou, se nenhum lanche foi levado para ela, não é óbvio que ela vai pedir qualquer comestível que lhe mostrarem? E, uma vez negado, a tendência a choro de uma criança com fome e cansada não é evidente? Vai reclamar pela situação criada? Não sei o que é pior, se a manha ou se a irritação do adulto. Os outros que não têm nada a ver com a história acabam participando daquele clima ruim; se eu pudesse colocava toda a família de castigo: já para casa, antes mesmo do início da apresentação!
 
Posicionei-me estrategicamente entre uma família portenha, que havia levado até uma esteira para sentar, e um casal com filho de uns 3 anos que estava no colo do pai comendo uma banana que a mãe lhe alcançava aos pedaços; cenário aparentemente com menos indício de confusão. Mas foi só o garoto olhar para o lado que o pai interpretou que ele queria uma espada. R$20,00 por um cano de plástico quase do tamanho da criança que piscava diversas cores. Outro vendedor apareceu e ofereceu um modelo menor, por R$15,00. Sucessivos lances reversos, no final a espada maior saiu por R$6,00.
 
O primeiro vendedor, que deixou de lucrar R$14,00, ao invés de sair dali e literalmente correr atrás do prejuízo, ficou resmungando que o importante era não perder a venda, que não ia deixar que se atravessassem na frente dele, melhor prejuízo do que ser passado para trás.
 
A mim pareceu ser burrice, que fidelização ele conseguiria em um show? Também acho que se ele estivesse convencido do negócio feito não teria ruminado por tanto tempo, ou ele pretendia gerar pena no casal para conseguir a diferença? Alguém já viu comprador arrepender-se de desconto barganhado? Ele que alegasse respeito ante o atravessador e, se o cliente não desse bola, que não perdesse tempo. Negócios, negócios, orgulho à parte.
 
A criança jogou tantas vezes a espada no chão que ela parou de piscar. Só que o esperto pai parece ter gostado da sequência de agachamento, pois ele ligou novamente a espada. Nem preciso dizer que aquela luz piscando ofuscava, no escuro, a visão da fonte. Mais sem noção ainda, o pai ficava repetindo: “filinho, guarda a espada para depois, vê a fonte agora”. Se era para a criança guardar, por que ligou de novo? Francamente, nem adulto quando ganha um presente desses tem essa disciplina... A mãe só filmava pelo celular, estendendo bem o braço e atrapalhando a visão da família argentina. O papai argentino, então, levantou-se e passou na frente da filmagem. A mulher nem deu bola, virou-se de costas e começou a filmar o filho com a espada. Resultado: nenhum dos 3 viu o final da apresentação. Eu, naquele momento, já havia decidid a ficar para a das 21hs, estava divertido demais as caras e bocas do povo à volta (e se eu insistisse em assistir ou em ouvir a música só ficaria irritada).
 
Foi assim que descobri a vantagem de ir às 21hs – mas se você acha que estou muito crítica em relação à feliz família, vá às 20:30. O importante é divertir-se e entrar no clima de celebração de natal.
 
Feliz Natal.
 
 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Uma pulga atrás da orelha


Durante anos passei em um cruzamento no qual um homem vendia panos de prato, tanto diferentes modelos com acabamento quanto apenas sacos alvejados. Nos dias de rodízio, percebia ele estacionando o seu carro e indo vender no farol.
No período de férias, um garoto, provavelmente filho do vendedor, ajudava-o mostrando os panos e dizendo o preço a quem perguntasse. Não raro, ele recebia dinheiro sem precisar entregar qualquer pano.
A melhor forma de desestimular o trabalho infantil é não o tornar lucrativo. Há retorno maior do que receber sem nada dar em troca? Eu sei que aquele garoto só ficava ali durante as férias escolares e nunca em dias de chuva. Mas será que os “esmoleiros” sabiam?
Vender exige técnica, empatia, muitas vezes conhecer o humano mais do que o produto. O vendedor é um profissional presente na rotina de todas as pessoas que vivam em sociedade, mesmo as que compram na Internet. O curioso é o sentimento de pena que gera em algumas pessoas, compram sem precisar, “só para ajudar”, quase como se não houvesse dignidade na profissão.
Vendedores ambulantes nas calçadas atrapalham o ir e vir de pedestres, vendedores ambulantes atrapalhando o ir e vir de carros previnem furto por dificultar a fuga.

Hoje, passando perto daquele farol, o vendedor ambulante era outro, vendia além dos mesmos panos de prato camisas e bandeiras do Corinthians. Mostrava a todos que possuía um daqueles terminais eletrônicos de cartão. O semáforo demorou muito, sinal que houve planejamento na localização, já que ele conta com um sistema de pagamento nem sempre ágil. Se eu fosse a única motorista perguntaria a ele se as vendas melhoram quando se aceita cartão: aquela maquininha, que tem custo mensal, desmistificou o “tadinho” -  aos que assim pensam ou agem.
Segui meu caminho curiosa em saber como ele mantinha a máquina, questionando se ele passaria a pagar imposto. Depois questionei-me se estava sendo ingênua em acreditar no funcionamento da máquina ou se estava sendo preconceituosa em imaginar a possibilidade de um “chupa-cabra” instalado. A lenda urbana dos camelôs do centro lá estarem para ajudar na venda dos lojistas, seja não fazendo concorrência com as lojas, seja vendendo produtos estocados nas lojas sem recolhimento de impostos, também ganhou força.
Quando der vou passar por lá de novo. Se ainda houver vendedor com terminal eletrônico para cartão, vou perguntar se é tanto para débito quanto para crédito e tentar obter mais informações – e depois conto para vocês.
 

domingo, 16 de dezembro de 2012

Momento de inquietação

Eis que a fictícia pessoa resolve viajar para um local que é centro turístico no sentido mais amplo da palavra. Lá, tudo que faz é tirar foto em frente às mesmas lojas existentes em sua cidade. Um pouco para se sentir em casa, outro para consolar por diferentes motivos quem lá não foi.
Nas lojas, outras que não são as fotografadas, procura por cópia de produtos que não pode comprar – a marca impressa legível é a grande preocupação. Poderia adquirir similares, de qualidade tão incerta quanto a fake, mas só quem estiver próximo saberá - e o previsível é a superficialidade dos que pelo status afastam e se afastam.
Além disso, se roubarem, terá perdido menos em números absolutos do que se o original tivesse e conseguirá calar os invejosos que desconfiaram da pirataria (cálculos em números percentuais nunca serão revelados). A proporção gasto x orçamento não lhe interessa por ora.
Resta posta a questão: ter e não ter amigos que têm, não ter tendo amigos que têm, ter dizendo ter amigos que têm - demonstram não saber ter.
 
Trabalhar ou economizar para um dia adquirir a versão original nem pensar. Verdadeiro demais. Arriscado demais. Melhor exibir ano após ano cada coleção - compromisso demais escolher só um e com apenas um a vida toda ficar. E se não vale ter apenas um, por que imitar? Admiração não há, nem por quem cria, nem por que lhe olha, só a representação de viver.
 
Basta ser como se é - certamente já ouviu isso antes - não precisa ser diferente, mas e quando ser é o ter que não é?

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Entre curtidas e smiles

Sei que tenho espírito crítico, o que vem me motivando a longas reflexões antes de tornar público alguns posicionamentos, mas ainda estou com a sensação de que algo está errado quando, ao responder um e-mail, a primeira reação é procurar o botão "curtir" e, a segunda, é sentir preguiça ou desânimo para elaborar uma resposta. Que perigo!
 
Conversando com professores soube que a maior dificuldade dos nascidos nos anos 90 é argumentar. Sabem dizer "legal", mas não conseguem verbalizar ou escrever o motivo. Se mesmo com esta estrutura de pensamento conseguem colocar-se no lugar do outro (a base do respeito), compreender outro ponto de vista sem ao menos saber qual é o seu, só os anos dirão.
 
É por isso que mencionei o perigo de não escrever, de tender a preferir apenas selecionar um único botão com os possíveis significados de "gostei", "legal", "ciente", "está certo reclamar", "absurdo" e tudo o que o outro quiser entender. Por enquanto "curtir" ou "não curtir" ainda não está disponível nos e-mails (apesar de ter vários smiles no FB), mas seria uma ferramenta e tanto se, ao permitir, por exemplo, o envio da confirmação da leitura, fosse possível acrescentar uma mensagem parecida com "fulano leu sua mensagem e gostou dela" ou "fulano leu a sua mensagem e resolveu rever sua amizade".

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Aos Artistas


 
A foto acima foi tirada na Bienal, que termina no próximo domingo. Ela, junto com uma frase que em insistente tilintar acompanha-me há semanas pertubaram minha leitura noturna.

Não vou explicar sobre arte, pessoas que sabem bem mais do que eu já não conseguiram fazer direito... Mas naquele workshop que contei para vocês que participei por acaso, ficou muito claro que se você quiser provocar determinado resultado o que você está fazendo não é arte, apenas propaganda. Arte instiga com liberdade, quem tem acesso pode concluir de forma contrária ao artista.

Arte ruim, neste sentido, é aquela que não é percebida, que as pessoas passam em frente e, por diversos motivos, nem olham. Gostar de uma obra, concordar com sua mensagem, pode significar tanto divertimento quanto rejeitá-la. A essência de toda arte é a consequente mudança de estado de espírito e possível reflexão.

Neste contexto surge a frase da outra oficina, a de que o importante é o que não está dito. Tanto nas artes quanto no cotidiano aguçamos e repreendemos os sentidos. A escrita sugere, o leitor decide. Enquanto houver silêncio, o texto protege e separa ambos. O artista sabe que as possíveis leituras não estão escritas e são elas que interessam, pois só elas têm algum sentido - e não o texto em si.

Não descobri o autor da frase, mas para mim foi muito mais artística do que várias instalações plásticas na Bienal, cujas propostas e provocações os monitores precisam explicar.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Um ensaio após o ensaio

Chuva.

Estação do metrô.

Nada de pressa.

"Pague quanto acha que vale" na máquina de livros.

Nenhum livro razoável.

R$2,00.

Melhor qualquer leitura do que nenhuma para passar o tempo enquanto a chuva passa.

Em letras miúdas, "aceita somente notas, a partir de R$10,00".

Cadê o Procon?

"R$10,00. Só aceitamos notas. Máquina tão ultrapassada quanto seus livros (defeito proposital é mera característica), não dá troco nem aceita mais de uma compra por vez".

Ficou com vontade de escrever, mas foi só vontade, que passou junto com a chuva e não foi tão forte quanto a de chegar em casa.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Só pode ser o rebate (leia-se ribeit)


Quem acompanha este blog sabe que dificilmente cito marcas. Se você está começando agora a lê-lo, saiba que o faz em raro momento. Mas é que fiquei tão satisfeita com o atendimento recebido e com a descoberta feita que sinto ser necessário compartilhar com vocês.
 
Apesar do preconceito existente, antes de mais nada, preciso esclarecer que gosto de salsicha. Sei que é feita de carne dita menos nobre, mas para mim isso é puro preconceito. Na galinha, por exemplo, prefiro a moela e o coração ao insosso peito. E para qualquer animal, perder parte de um músculo é menos vital do que perder um órgão, logo uma carne de primeira ou de segunda é mero ponto de vista. O que como é simplesmente porque gosto do gosto, sei que saudável mesmo é ficar longe disso tudo.
 
Pois bem. Por muito tempo consumi apenas salsichas importadas. As nacionais, feitas de fécula de mandioca com sabor e aroma de salsicha, simplesmente “não descem”. Até que em uma viagem fui coagida a desviar da estrada e ir na loja de fábrica da Berna. Eles também têm salsichas com fécula de mandioca, mas há várias outras tão boas quanto as importadas.
 
Desde então, sempre que achava as tais salsichas (frankfurter mesmo, que é a mais simples) eu comprava. E o preço, como o de todos alimentos, começou a subir...Quando chegou a R$42,00 o quilo, escrevi para o fabricante reclamando do valor e perguntando se dava para congelar, pois já estava cogitando ir até a loja de fábrica e comprar uma quantidade que valesse a viagem.
 
Recebi resposta no mesmo dia. A área comercial não apenas me informou o nome de todos os lugares que comercializavam os seus produtos como também avisou-me de onde era mais barato. Fiquei muito satisfeita. Naquela mesma semana a salsicha, no lugar de costume, onde volta e meia ela está em falta, havia baixado para R$36,50. No lugar indicado pela área comercial da Berna o preço está em R$31,80 e o sortimento é muito maior.
 
Tudo bem, sei que R$31,80 não é nenhuma pechincha, mas é praticamente de 30% a diferença entre os preços e seis quadras de caminhada. O mais curioso é que o melhor preço é em um estabelecimento comercial tradicional por não tem no preço qualquer atrativo. Devem conseguir vender mais barato porque compram mais, aquela velha história do ganho de escala: se você quer comer algo sofisticado, compre em lugar sofisticado.
 
Não vou mencionar os respectivos estabelecimentos porque nem todos que me lêem são de São Paulo, tornar-se-ia uma informação desnecessária em um texto que quer homenagear o bom atendimento do fabricante. A área comercial também me disse que em breve haverá uma loja de fábrica longe da fábrica, na região central da capital, na Marquês de Itu. Estou na torcida para que os preços fiquem melhor ainda.

domingo, 25 de novembro de 2012

Liberdade aos tons do (não) cinzento 50


A lanchonete era um lugar estreito, muito cliente para pouco espaço. Muita pressa, mais ainda naquele horário. Afastada do balcão em que estava seu sanduíche e atrapalhando com a cadeira todos que por ali passavam, a moça lia.
 
O livro ela escondia no colo, fazendo de seu longo cabelo uma cortina. As pessoas estavam famintas, ansiosas pelo pouco tempo que tinham, pelo tempo a mais que ficariam ali por não ter onde sentar para comer. Fome ela também tinha, menos do que ansiedade pelo que iria acontecer. À sua frente, o pão, agora morno, aguardando.

 
Mudou de página, mudou o lado do cabelo que cobria o papel. O olhar mareado denunciou o ineficaz disfarce. Verificou eventuais mensagens no celular e nem percebeu que continuava afastada do balcão atrapalhando os outros clientes. Xingamentos e reclamações soavam como sussurros da ficção que estava participando.

 
Segurando firme o guardanapo, começou a devorar lanche e texto. Sentada, do jeito e pelo modo como estava, agora, que além do olhar mareado, insistia em limpar com a boca os dedos que sistematicamente retornavam para um já inexistente final de maionese no guardanapo, não se lembrava mais de que havia do que tentar disfarçar.

 
De repente, deixando a capa virada para baixo, fechou o livro em seu colo. Colocou-o dentro de uma pasta e saiu. Na rua, à sua frente, também aguardando o semáforo abrir, um casal de mãos dadas conversava:
- Mas você acha que um homem deve ler? Perguntava o inseguro rapaz.
- Não sei, ainda estou no início da história - respondeu a mentirosa mulher.

 
Riu – mas sem que o casal percebesse – sabia do que estavam falando e era só por isso que em público escondia o livro. Ao seu apaixonado e desempregado irmão não apenas emprestara o outro volume como o incentivara a gravar determinados trechos em um audiolivro artesanal. Gostava da cunhada.

 
Qual o problema de iniciar a leitura de um livro? Gostar? Incrível a persistência da dicotomia coisas de homem, coisas de mulher... As inúmeras capas de revistas masculinas, ampliadas e espalhadas nas bancas de jornal, as quais é obrigada a ver todos os dias, não a tornaram nem mais, nem menos feminina. Por que a leitura de um livro (três, melhor dizendo) deveria ser descartada? Se não gostar, é só parar...

Mal começou a ler o próximo capítulo seu ônibus chegou. Sentou-se na cadeira preferencial, que era mais alta, entre a janela e uma outra mulher. Ainda faltava liberdade para poder ler sem preocupar-se com o entorno. As nuvens mudavam as nuances de tom do céu nublado. A cor cinza nunca mais seria a mesma, mesmo sendo um sobrenome. Havia menos de 50 páginas para terminar a história. O sistema poderia ainda ser decimal, poderia ainda ser binário, mas o número 50 nunca mais seria o mesmo.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Mato Vertical

Mato é todo vegetal que nasce sem ser plantado. Nas aulas de jardinagem, a ordem é sempre a mesma: destrua todo e qualquer mato, senão vai faltar espaço e nutriente para o que você plantou. Os professores esquecem de que nem sempre sabemos o que estamos plantando ou como será o que está sendo plantado – muito menos todas as possibilidades que temos. Uma coisa é a ideia, outra, a realidade.
Mês passado morreu o pé de couve que eu havia plantado por estaquia. Aliás, foi a primeira estaquia que deu certo: cortei os talos do que veio do supermercado e um vingou. Eu até cheguei a colocar foto aqui, quando ficou grande e o vento o derrubou de onde estava. Mesmo quebrado, o pé de couve agüentou mais de um ano. A estaquia foi feita por impulso, na pia da cozinha mesmo, afinal o não, que seria não germinar, eu já tinha. O detalhe é que eu nem desconfiava que ele poderia ficar mais alto que eu – algo inviável para um apartamento. Se tivesse esperado estudar a couve antes de plantá-la, não teria tido a felicidade de ver 8 cm que iriam ao lixo virarem 80 (as mini-folhas de couve ficaram bem decorativas no arroz).
E isso porque gosto de planejar. Só que aprendi que o planejamento perfeito nunca sai do papel – e o melhor planejamento é o que sai do papel, mesmo que nunca tenha ocorrido. Confuso? Meus vasinhos estão lotados e praticamente não sei quem são minhas companheiras verdinhas. Estou feliz mesmo assim com o colorido delas, tenho curtido mais sabendo que nascem espontaneamente do que quando precisava me preocupar em onde plantar o quê.
Tudo começou negligenciando o primeiro cuidado ensinado: antes de colocar no vaso, peneirar a terra para tirar toda e qualquer semente... E as pequenas? E as que vêm voando? Será possível identificar toda e qualquer semente? Resolvi, na época, usar a terra tal qual quando comprada e ver no que dava – deu em um diversificado, colorido e cheiroso mato.
Sementes compradas em saquinhos dizem quando e em quais condições devem ser plantadas – além de serem previamente tratadas com fungicidas ou outras substâncias do gênero. Mas comprar semente, com tanta semente que acaba indo no lixo? Imagina!
Foi assim que nasceram tomates cereja após longo cultivo de sementes de pimentão, exóticas flores e capins – logo depois identificadas nas calçadas da cidade. Tenho a impressão que nem em ambiente artificial, como o hidropônico, nasce o que se planta – pelo menos só o que conscientemente se planta. Lógico que depender do plantio para comer é uma situação diferente, não é disso que estou falando. Falo de viver, não da limitação do sobreviver.
Entre tanto planejamento e tanto foco naquilo que desejamos ou imaginamos precisar, será que percebemos o que plantamos? E o que descartamos? Sabemos todas sementes que temos? Onde germinam melhor? Como saber sem tentar? Buscamos um espaço verde ou precisamos de um ambiente paisagístico que demande constante manutenção? Cada um tem o seu estilo, mas que é bom só precisar colocar água, isso é.

sábado, 17 de novembro de 2012

O passar dos anos


- Então, fazes tudo que lhe dizem?

- Por que fazer diferente?

- Sabes o porquê do que fazes?

- Não, mas por que fazer diferente?

- Para compreender o motivo de sempre ter sido assim.

- Sempre foi assim?

- Assim como?

- Você sabe, obedecer...

- Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

- Se você diz para eu desobedecer é sinal de que você é obediente.

- Obedeço sabendo – e após muito desobedecer.

 

O melhor dos anos terem passado é poder assumir riscos com menor ansiedade. O jovem que segue seu ritmo, se seu ritmo for diferente, é um rebelde. Já o adulto que segue um ritmo diferente, bem, ele já é adulto...

A rebeldia tem a função de mostrar o ritmo de cada um. Rebeldia não é inconsequência nem revolta. O adulto que já foi “rebelde” tem (des)acertos acumulados, sabe que os próximos passos serão os próximos (des)acertos. Meros detalhes, já que muito pouco da vida é possível controlar.

Crianças querem saber sobre tudo, como tudo funciona. Adultos valorizam as respostas delas, contando-as e achando graça das “coisas de criança”. Depois os jovens descobrem que nem tudo é como imaginam, nem tudo tem resposta, outros já responderam melhor. O bom é que responder não é o relevante, mas perguntar ou não perguntar. Fazer, desfazer, observar, escolher, seguir em frente. Se fizer certo, ser seguido - outro mero detalhe.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Etiqueta Urbana

Prezado cidadão, não pense que só o comércio da região - assim como você - não viajou no feriado. Mesmos que isso fosse verdade, afinal ninguém foi almoçar aí, você continua não podendo colocar o lixo na calçada depois que o lixeiro já passou. Tenha certeza de que foi visto carregando aquele enorme saco preto para a rua do lado. Mas o mundo dá voltas...em um dia de movimento, a quadra inteira colocará lixo em frente ao seu estabelecimento comercial.

* * *

Corredor de ônibus não é sinônimo de ciclovia. Quem está no ônibus também tem direito de locomoção e não é nada ecológico o motor que não sai da primeira marcha só porque você, ciclista, está na frente. Dezenas de pessoas chegando atrasadas por causa de você... Agora o semáforo serve pra todo mundo, mesmo que você esteja na contramão. Sei que os freios da sua bicicleta estão funcionando, mas se você precisar deles nas descidas, lembre-se que a bicicleta fica, você não.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Gosto do brilho do sol quando o céu está escuro.
Depois, se o sol se esconde, ou se as nuvens cedem, fica o arco-íris.
(fala de futuro personagem, que está buscando contexto para existir)

sábado, 10 de novembro de 2012

Funk Universitário

E ah-iiiiiii! Segue o ritmo:

Tac. Tá. Tá, tá-tá.
Si num foi, inda tá lá.

Té. Té. Té-té-té.
Amor bom, larga do pé.

Ti. Ih, ti ti ti.
Comeu mal, deu piriri.

Tó. Tó, tó toró
Melhorou, estava só.

Tuc. Tu. Tu, tu-tuc.
ficou postando no feicebuq.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Penetra, desta vez por acaso.


Costumava passar por ali, mas só naquele dia notou o cartaz “workshop – grátis”. O assunto interessava-lhe. O horário era compatível com outras obrigações assumidas. Anotou o link.
Em casa, não encontrou a ficha de inscrição. Pena, começaria no dia seguinte. Mais tarde, pensou que talvez as inscrições estivessem encerradas, que talvez alguém pudesse ter desistido. Afinal, quando é grátis, as pessoas desistem mais fácil, menos ainda se comprometem, apenas impedem outros de terem acesso.
Chegou com alguma antecedência, para saber se poderia participar. O rapaz da recepção nada sabia. A sugestão foi procurar certo fulano. Lá se foi. Fulano dava ordens e perguntou-lhe por qual evento estava ali. Ouvindo a resposta, indicou-lhe a sala.
Foram três dias muito produtivos. No intervalo do terceiro dia, porém, fulano pediu para lhe falar. Vexame, a palestrante reclamou da conversa paralela. Mas fulano estava preocupado: o evento era exclusivo para selecionados, ele precisava prestar contas e tinha aquele nome acrescentado à caneta na 15ª linha da lista de presença. Pior, os certificados já haviam sido impressos no momento da inscrição, em número limitado, sem possibilidade de qualquer alteração.
Certificado? Compreendia a situação, não iria criar caso – experiência era o que importava. Nem perguntou se poderia continuar, apenas ali permaneceu.
 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A tosse

Foram tantos os anos sem que havia esquecido: tossir era incômodo. E a tosse veio-lhe fazer companhia justamente em momento que precisava manter o silêncio. Sem prática, segurou-se o quanto pôde: mas a garganta começou a coçar e os ouvidos a fecharem - como se fosse possível coçar uma garganta ou abrir os ouvidos.
 
Se não ia escutar, também não precisava mais do silêncio. E tossiu o mais forte que pôde; aguentou firme a ranhura na garganta, tudo na esperaça de se tratar de ato isolado. Que nada! Foi só o início: tossia enquanto quem estava à volta e não podia desviar mexia-se. Consciência pesada pelo barulho provocado em tão solene momento ou a cada vez mais comum ausência de paciência. Pouco importava. Continuou a tossir e não saiu de onde estava.
 
Poderia acalmar-se com uma bala, com um sachê de mel que trouxera na bolsa ou até com um copo d'água - mas se engasgasse morreria ali, não teria como pedir para que lhe acudissem - logo os outros que certamente pouco ouviam por sua causa, não ouviriam seu pedido de socorro. Para conseguir respirar, pensava que, se as pessoas não morriam de coqueluche, não poderia ser ali o seu fim.
 
Eternos torturantes minutos. Não havia o que fazer, ficaria pior - entre uma tossidela e outra - além da concentração em respirar, ter ainda que pedir licença e ir embora. Timidez não era problema, mas a incompetência de acumular tão importantes atividades: respirar, falar e tossir.
 
No momento das palmas, aplaudiu também - mesmo sem saber exatamente o quê. Percebeu, enquanto aplaudia, uma câmera filmando em sua direção. Segurou novamente a tosse. Lágrimas escorreram-lhe pelo rosto e a câmera, que antes movimentava-se lentamente gravando a imagem dos que aplaudiam, parou. Talvez tenha sido feito zoom das lágrimas. Eternos torturantes segundos.
 
Agachou-se para não ficar registrada a autoria do ser sem noção que atrapalhou a todos. Quanto mais tossia, mais rápido as pessoas se afastavam. Finalmente conseguiu sair dali. Estava feliz por ter se livrado daquela situação, faltava livrar-se da tosse.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Um dia de calor

Acordou mais cedo para não ficar até mais tarde. Nas noites quentes, ainda mais as de lua cheia, são as ruas a melhor companhia.
 
Tantos quantos forem os minutos de antecedência serão os minutos sem ar condicionado. A saúde agradece: só se conforma com gripe de sol + sorvete, sol + mar gelado.
 
No almoço, nada comeu. Correu atrás de providências enquanto os ponteiros em seu pulso corriam.
 
Sentia sede, mas água só havia a que escorria do freezer vazio. Ouviu da criatura atrás do balcão que só havia cerveja e sólidos. Até aquele pé sujo estava desprevinido. O desaforado supermercado vendia bebida a preço de restaurante. Não comprou.
 
Na sarjeta, viu enterrada na lama uma moeda. Com o pé, tentou tirá-la dali. O tênis branco ficou marrom, mas só na ponta. Muitas moedas são necessárias para manter o branco.
 
Enrolou um papel da bolsa e, antes de usar sua ponta para tirar a moeda dali, um bloco de gelo desprendeu-se do freezer escorrendo pela sarjeta.
 
O papel molhado perdeu a utilidade. Disfarçou, limpou a ponta do tênis e na sarjeta deixou a moeda e o ex-gelo misturados na lama.

domingo, 28 de outubro de 2012

Paulo Maluf: o grande vencedor das eleições de São Paulo

Antes das eleições, havia uma certeza: ⅓ dos votos seriam do PT. E como o PT hoje apenas segue Lula, se fosse Tirica – não Haddad - o candidato, ⅓ dos votos seriam dele.
No colégio, aprendi que a esquerda não ganhava eleições porque se dividia. Mas isso foi em uma época em que não havia segundo turno.
A partir da existência de segundo turno em eleições majoritárias de maior repercussão, notou-se a oposição não tão significativa assim. Maquiavelicamente e com ajuda do marketing, o discurso foi alterado.
Quem tinha ideologia migrou para novos partidos. A estrela, por outro lado, passou a ser moda, importando apenas segui-la – um bilhete para baladas e diversão (sei que quem esteve no centro de São Paulo nos últimos dias compreende a que estou me referindo).
A geração Y (nascidos na década de 90) conhece essa curtição. Talvez alguns Y, em São Paulo, tenham ouvido falar de Paulo Maluf – quase uma lenda urbana. Graças a Lula, Maluf voltou a ter repercussão nacional.
Ao prestigiar Maluf, Lula agiu tal qual os coronéis que parece um dia ter criticado e hoje são os aliados em que se espelha: a participação do rebanho é exclusivamente seguir seu pastor; roubar é detalhe aceitável, o importante é aumentar ao mostrar o que faz.
Mesmo que o roubo seja generalizado na política – ou que Lula (e por consequência o PT) esteja mais ao centro do que à esquerda, certamente nenhuma ingenuidade houve no acordo de cavalheiros. Talvez até tenha sido o ato mais ético da política nos últimos anos. Todos iguais, uns mais do que os outros.
O tal aperto de mãos fez com que os planos de governo, as propostas para a cidade e os candidatos deixassem de ser o foco (por que esconder isso?) por algum tempo. Tudo bem que São Paulo é cosmopolita, mas é até desrespeito com os outros lugares do país transformar em questão nacional a eleição daqui.
Os enfoques dados às polêmicas também em nada ajudaram. O tal “kit gay”, por exemplo: significativo não é nem o conteúdo nem a diferença entre dizer “professores, sintam-se livres para trabalhar o assunto” ou “alunos, não há tabu”, mas que em um caso a política foi implementada e no outro dinheiro público foi utilizado em um projeto vetado na última hora.
Sinto-me vivendo tal qual os relatos lidos da época do milagre econômico: propaganda de otimismo baseada em números selecionados, repetição de discursos evasivos, desestímulo ao raciocínio e debate, posicionamentos em que o ser “contra a” é mais presente do que o “a favor de”. Não importa que não saia jogo.
Em uma eleição que ganharia o menos rejeitado, estamos escolhendo entre um vaidoso e o fantoche de outro vaidoso, cuja vaidade se desconhece. Maluf, “de camarote”, pode até já ter tido a vaidade saciada, mas não deve ser o suficiente e já deve ter combinado seu prêmio, afinal, mesmo sem entrar em campo, foi lhe dado o papel de "fiel da balança", sendo o grande vencedor.

 * * *

Publico este texto antes do início da votação. Tentei ser o mais neutra possível, mas confesso ter receio de estar sendo injusta com o Tiririca, afinal, nada além do preconceito pela baixa escolaridade pode-se falar dele.

domingo, 21 de outubro de 2012

Estranhamentos


Poderia não ter olhado, mas olhou. Lá estava ela, maior que um palmo: a borboleta preta imóvel no plafon. Preferia uma lâmpada queimada como causa do escuro. Cuidadosamente, apagou a luz, fechou a porta e ficou torcendo para que ela fosse embora logo.
 * * *

Pela fresta do tapume viu os homens trabalhando lá embaixo, como se fosse uma pequena mostra da Serra Pelada. Quatro, cinco andares escavados a poucos metros da avenida que recebia ônibus e caminhões. Sem chuva ou com chuva, resolveu que não passaria mais por lá, nem iria à livraria vizinha – não enquanto o prédio não fosse visível. Só quando passa em frente é que se lembra do prometido... Hoje, por exemplo, percebeu que a calçada estava rachada. Não atravessou - já faltava espaço para as cadeiras e mesas do outro lado da rua – acompanhou cada centímetro das marcas no cimento novo, exatamente em todo cumprimento do terreno. Definitivamente, ninguém deveria passar por lá.

 * * *

Naquele horário havia muito movimento, ainda mais naquela avenida. Para piorar, com prédios antigos e calçadas estreitas, não era possível estacionar. Cada um de um lado, passo sincronizado para ir mais rápido no trecho a pé, não precisaram pedir licença. As pessoas paravam para olhar e os carros paravam para olhar as pessoas paradas. Foi assim que atravessaram sem precisar ir até o farol, até mesmo as motos não quiseram chegar perto. Iam precisar dessa moleza, mesmo, quando estivessem não só com o caixão, mas também com o defunto dentro.

* * * 

A vendedora garantiu-lhe que era a escolha acertada: melhor benefício, pela rapidez valia o preço. Resolveu testar e precisou concordar. Após dias de orgia gastronômica, em minutos a calça que ficara apertada pediu cinto. Que maravilha de creme! Só espera não engordar no banho.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Etiqueta Urbana - nunca é demais.


Há 15, 20 anos atrás, você vivia sem celular – mas é compreensível que você queira parecer de menos idade, agindo igual a pessoas que há 15, 20 anos não existiam. Se você precisa levar seu celular ao banheiro, tenho percebido que essa não é uma exclusividade sua – o constrangimento é todo seu com os sons à volta. Saiba também que, tão chato quanto sua dependência, para não falar falta de educação, é o desprendimento de deixar o celular por aí, com ringtone nada discreto, causando poluição sonora ao redor dos outros.

Lembre-se disso não apenas no cinema ou teatro, mas também ao sair de sua mesa de trabalho ou servir-se em buffet. Se você não souber como colocar no “silencioso”, tenho certeza que você se surpreenderá com a quantidade de pessoas disponíveis a te ajudar.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Etiqueta Urbana

Ei, você que fura papel. Dá uma olhada para o furador. Não importa o modelo. Todos têm algo em comum. Sabe o que é? Uma marquinha no meio dos 2 furos, geralmente é uma pontinha levantada em forma triangular. Isso existe muito antes de design existir. Sabe para que serve?
 
Pois é, a pontinha fica bem no meio dos 2 furos e serve para facilitar o manuseio do papel. Ignorá-la depõe contra você... Se antes de furar você fizer uma marquinha na folha e colocá-la ali naquela pontinha triangular, garanto que a apresentação da papelada que você está montando será outra. Acredita que ficarão todas com furos muito parecidos? Te conto mais, se as folhas se separarem, basta alinhá-las para conseguir colocá-las em ordem, não precisa pegar uma a uma para enfiá-las de volta no lugar. Simples, não?
 
Então vê se não esquece, ninguém precisa saber que você fugiu do jardim de infância, nem fica bem colocar a culpa no estagiário (= você não soube nem selecionar, nem ensinar bem).

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Querer é QUERER, não apenas pretender.

Carimbo de ingresso na exposição, com prédio ao fundo.
Seria a quinta tentativa. Precisava ser a última. Chegou às 8:20 sabendo que somente às 10:00 as portas seriam abertas. Naqueles dias quentes, melhor aguardar no horário de sol tímido. Outros pensaram o mesmo e só conseguiu entrar às 10:40. Além da fila preferencial, que dá direito a acompanhante, a escola que era para chegar às oito chegou às nove e tudo atrasou – foi o que o segurança lhe confidenciou em uma das filas internas do prédio. Sim, não bastava aguardar para entrar, uma vez lá dentro, antes de cada sala, nova contagem de pessoas era feita...

Na entrada, recebeu um carimbo na mão. Ainda bem que não tem alergia. Achou que o momento merecia uma foto, os adolescentes que estavam atrás gostaram da ideia. Subiu em um silencioso elevador enquanto o grupo ficava decidindo quem tirava a foto da mão de quem. Mas durou pouco, dois quadros apenas.

Respirou fundo. “olha esse!”, “e esse!”, “eu gostei mais desse”, “não, agora acho que esse é mais legal!”. E daí, criatura? Certamente é importante incentivar a visita de jovens, mas sem prévio preparo, parecia um oficial “cabulamento de aula”. Ter que passar no meio de um grupo discutindo se era o mesmo “rio” nos quadros só depôs contra o colégio. O guia da excursão estava num canto, nada falou sobre o Sena, estava fazendo sei lá o quê.

Percebeu dois jovens que conversavam baixo, analisando um quadro, e resolveu “grudar neles”. Sem guia e sem material da exposição (limitado às escolas), os dois meninos eram prova de que a educação formal não substitui berço, o que falavam parecia coerente mais pela postura educada do que pelo conteúdo em si.

Leu tudo, tentou memorizar quadros novos, reforçou o afeto por outros, e despediu-se com um “até breve”.
* * *
Algumas pessoas disseram-me que não iam na exposição porque já tinham tido a oportunidade de ver os quadros. Sei que gosto não se discute, muito menos preferências. Só que cada arranjo de quadros torna tudo diferente - e legendas em português fazem a diferença. NO CCBB, os quadros são as estrelas, não o arranjo.

 
Digo isso em um contexto de quem inclui Paris no roteiro pensando em rever o último andar do Musée d’Orsay, sem se importar de ter muito ainda para conhecer da cidade luz – rever o que estiver disponível por ali torna qualquer outro lugar um complemento do passeio.

 
O que me surpreende mesmo é a quantidade de gente com tempo disponível no horário comercial. Para quem tem horário a cumprir, de sexta para sábado terá outra “virada”, o CCBB não vai fechar de noite. Minha dica é pegar metrô próximo à meia noite, descer na São Bento ou na Sé e ir a pé mesmo. Certamente quando o metrô voltar a funcionar, às 4:00, você ainda não terá terminado o passeio (acho melhor do que estacionar na Consolação).Só não vale sentar numa cadeira de rodas para pegar a fila menor. Termina dia 6 de outubro.

* * *

Lógico que eu compreendo a vontade de compartilhar no momento em que se gosta de alguma coisa. O que critico é a criatura gritar para outra, como se fossem as únicas na sala, o que acham de cada quadro - ainda mais mudando de posição a cada segundo. No compartilhar também deve haver o esperar o outro formar sua opinião. Ao gritar suas preferências, atrapalhavam a leitura das explicações e impediam que os demais pudessem formar a sua própria opinião e a compartilhassem.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Th’ Esfincter

O show do ano. Saiu mais cedo do trabalho e foi para a fila. Tablet numa mão, celular conectado em outra, poucas pessoas na sua frente. Levou cartão e uma falsa carteira de estudante – mas se descobrissem a maracutaia ou se o sistema saísse do ar, tinha dinheiro para os dois ingressos. Em um outro bolso, troco para o lanche e pó de guaraná.
Faltavam 6 horas para começar a venda dos ingressos pela Internet, 14 para a bilheteria abrir. Nada desanimava, foram meses engordando – a poupança e o banco de horas – só para poder viver esse momento. Deu certo. Um par de ingressos Pista VIP e alguns novos amigos. Despediu-se com a promessa de acampar dois dias antes da abertura dos portões: VIP, para ser VIP, tem que grudar a barriga na grade!
Os dias foram passando e a tensão aumentando: até conseguiu uma barraca iglu emprestada, mas percebeu que não tinha amigos. Pelo menos não amigos companheiros o suficiente para acampar do lado de fora do estádio ou usar o horário do almoço para recolher o material de acampamento.
Só não entrou em depressão porque isso faria com que perdesse o show.
Foi então que ficou sabendo do Zé. O Zé topava todas – e cobrava barato. Também era esperto. Ficou acertado que o Zé acamparia na fila. Levaria uma companhia para ficar mais fácil da fila compreender a troca: 2 por 1. Em pagamento receberia o equivalente a um ingresso mais as refeições. O Zé não comia fast food, mas isso ele não disse – demonstrando experiência no assunto, exigiu receber comida caseira e farta, para poder dividir não só com o seu affair mas também com os companheiros de fila.
Ajuste feito, a ansiedade permanecia. E se o Zé não fosse confiável? Se aparecesse alguém oferecendo mais? Se ele simplesmente abandonasse o acampamento? Não, não seria possível. Tudo daria certo, estaria entre os primeiros a entrar. Estava calor, sentiria sede. Como não ir ao banheiro? Mesmo que ficassem guardando o seu lugar, quem daria passagem para retornar? E se tivesse que sair do lugar, do que adiantaria investir no Zé, no VIP?
Algo precisava ser feito. E rápido. Lembrou-se, então, das fraldas de uso adulto. Por que seriam apenas geriátricas? Fez um test-drive. Funcionou. Parecia um short, mas a visão do volume na bunda era horrível. Treinou olhares blasé para situações de mão boba. Conseguia agora entender a moda das calças saruel.
Por precaução, quando chegou o dia D, no melhor estilo adolescente, amarrou um moletom na cintura. O Zé cumpriu o combinado. Só não foi dos primeiros 100 a entrar por causa da fila preferencial de grávidas e de melhor idade. Dançou, gritou, cantou, não perdeu nenhum detalhe –  tudo sem ninguém na sua frente.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

QPQ!

As placas eram claras “até 5 volumes” e “até 10 volumes”. Estava com 8. Percebendo que a funcionária aceitara, sem qualquer objeção, passar 6 volumes, não teve dúvida: “oba, moça, pensei que a senhora só atendesse até 5 volumes. Quando está vazio pode passar mais, né?” Ante a negativa, pois 6 (apenas um a mais) não era o mesmo que 8 (quase o dobro) voltou para seu antigo lugar: três pessoas ainda estavam na sua frente.
E o caixa até 5 volumes continuou vazio. Até que apareceu um casal com carrinho volumoso. A funcionária disse que não podia passar mais de 5 volumes, mas o homem insistiu (a mulher ficou completamente muda) que ele passaria 5 e ela mais 5. A gerente foi chamada e rapidamente longa fila foi formada.
Não sabe bem como, mas quando viu já estava argumentando a favor da funcionária e também reclamando para a gerente que na ausência de fila 8 volumes também deveria poder, já que seriam 10 itens no mesmo cupom fiscal.
Mais tarde, lembrou-se do que lhe dissera uma menina suíça que era au pair: “coitados, eles precisam dessa esmola”. Ela referia-se às trapaças, mas em um outro contexto.
Ter discutido era um claro sinal de que precisava descansar. Concedeu-se compulsivamente um dia de folga. Foi ao museu, já que era de graça naquele dia da semana.
Fila enorme, com direito a tudo: medir pressão, responder pesquisas de marketing, olhar artesanato dos estrangeiros hippies que hoje ocupam a cidade, responder entrevistas de estudantes, ler publicações de poetas independentes – tudo isso sem nenhum vendedor ambulante com comida ou bebida (ainda bem que levara lanche na bolsa).
Aos poucos, as pessoas foram desistindo de esperar e uma moça com um bom mapa de São Paulo tentava, em espanhol truncado, obter informações de onde ir depois. Ao ouvir a Oscar Freire (uma rua de grifes em São Paulo) como sugestão, percebeu que precisava intervir. Dessas coisas que acontecem ao acaso, mas não por acaso -  outro dia conta melhor.
A mulher da frente, ao passar pela bilheteria, pediu mais um ingresso para uma suposta amiga que teria ido ao banheiro – e o funcionário deu... Minutos depois, surgiu um senhor todo faceiro. Ele entrou como se fosse ao restaurante, sem passar no detector de metais, e ficou com ela que, muito orgulhosa, comentou alto “imagina, ele vai entrar sem ter sido revistado”, ao ouvir a resposta de que “eu vi que você mentiu na bilheteria, pedindo um ingresso a mais para uma amiga que estava no banheiro. Sem a sua mentira e a dele, de que estava indo ao restaurante, a segurança não teria sido falha”, a mulher fechou a cara e virou as costas,
Preferiu ficar contente por poder continuar conversando e perceber a recuperação do cansaço, afinal, resumiu em pensamento apenas “QPQ!”: Que Pena Querriii...você podia não precisar disso.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Desconstruções e clichês - um ensaio para a sala de aula

O começo foi um fim. Prefere acreditar duvidando, ao contrário do que fazem com as bruxas: quase a cereja do bolo. Humm, está indeciso em qual bolo colocar aquela cereja, ou se um morango não seria melhor. Saliva feliz: seu regime só começará na segunda-feira.

 

Na dúvida, prefere consultar o horóscopo. Imagina-se observado e, por isso, disfarça a irritação ao folhear o jornal. Já havia encontrado - em páginas diferentes - palavras cruzadas e Sudoku. Não aceita a impressão de signos esparsos em páginas aleatórias. No seu tempo era melhor -  melhores tempos virão, dizem os meteorologistas.

 

- Na fila?

- É

 

Só estava aguardando o elevador, mas sabe que brasileiros gostam de fila - melhor não ser do contra. "Se calar o bicho pega, se falar o pau come". Essa astróloga era muito boa, só Murphy acerta mais do que ela.

 

Certezas são cruéis, dúvidas edificantes. Quanto de ouro vale o silêncio, se é pelo pensamento que são oferecidos tostões? Faz questão de não ser ultrapassado ao entrar no elevador, jeito para não levar jeitinho ele tem. Treina a escuta com os desconhecidos e descobre-se adivinho:

 

- Que trânsito, hein!

- Ainda bem que é sexta-feira.

- Será que vai chover?

- Já que é sexta...

 

Para nada falar, finge ler o jornal. Basta um querer para dois brigarem; ele prefere perder a piada a criar inimigos. Com o sinal sonoro, a porta abre-se. Ele sai para vender choro aos que têm lenço.

Stay or Go Away

Escolher é renunciar. Como não tem como se conhecer todas as possibilidades de escolha, há sempre uma probabilidade de erro. Sorte quando é possível renunciar à escolha, mesmo que leve um tempo ou demore para percebermos o erro.
As eleições são um exemplo. Os programas de governo, obrigatórios para os candidatos do executivo, são amplos o suficiente para que todo mundo encontre o que procura – para falar bem ou mal. A partir de pesquisas de marketing, o discurso é treinado...
Este ano eu estava realmente em dúvida, rejeição a alguns candidatos, restrição a outros. Até que após certa conversa, consegui encontrar um critério para o voto: na cidade, o que me faz morar nela? Qual a atenção tem sido dada para este ponto? Desde que governo?
É só uma sugestão de critério de quem cada vez fica mais perplexa com a falta de comprometimento das pessoas com elas mesmas. É muito mais do que reclamar de alagamento e jogar lixo na rua: é reclamar que “está no cheque especial” enquanto come o super combo na estréia de qualquer filme 3D, lembrando na fila da academia em que fez o plano anual mas não vai. Como alguém assim pode dizer que a cidade ou o mundo não funcionam por causa dos governantes?
Nesse sentido, admiro os ciclistas diários. Considero uma tremenda loucura andar de bicicleta entre os carros e um descabimento o que vejo com frequência: ônibus andando bem devagar, às vezes lotado, só porque tem um ciclista na sua frente. Faixa de ônibus não é lugar de bicicleta, mas incomodaram tanto que as ciclofaixas já são uma realidade – a prefeitura teve que dar um jeito. Pena ter havido mortes.
No início do blog eu havia comentado do “movimento no-co”, algo como renúncia ao mundo corporativo e que estava bem presente em meu contexto à época, que depois perdeu sentido. Mais de ano se passou e uma revista de circulação nacional mencionou em sua capa o movimento sem nominá-lo. Percebo agora uma variante disso: “simplesmente enchi”.
Essas pessoas fazem meu otimismo ser renovado. Não é a rebeldia de décadas atrás, de querer separar-se do mundo e, com isso, imaginar-se vivendo outra realidade. Hoje as pessoas continuam integradas, produzindo e vivendo, apenas não aceitam sujeitar-se ao que mina o respeito a si, viram exemplos que incentivam os outros a imporem seus limites, não se escondem, mas se expõem: “gosto, quero, mas não desse jeito - e pago o preço por ser assim”.
É um novo contexto, não o fim do mundo de que se ocupam alguns.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Indo às compras

O desapego tem se mostrado a melhor publicidade subliminar do capitalismo. O mecanismo é simples: como terei que aprender a ficar sem, adquiro qualquer coisa - e como é qualquer coisa nem preciso preocupar-me se vai durar, pode até ser descartável, é mais para dizer "tenho ó". Afinal, em qualquer grupo, ai de você se não tiver "x" (uma variável que muda conforme o grupo).

Outro senso comum é a necessidade de não estagnar energia. Dessa forma, o que você não usa, tem que doar, nem que seja para o cesto do lixo. O entusiasmo de ser um ser altruísta, que trabalha para propiciar aos outros o acesso a bens que você mesmo não curtiu como deveria, e o maior espaço livre nas prateleiras são um novo convite ao consumo.

Lógico, pelos dois parágrafos acima, que não me enquadro no citado contexto - reflito muito antes de me desfazer de alguma coisa e, talvez por isso, também antes de adquirir. Como tudo, há ônus e bônus, como ser surpreendida com a descontinuidade de um produto ou achar algo no armário que era exatamente o que você estava precisando e nem se lembrava que tinha.
 
Gosto muito de novidades, acho divertidíssimo testar produtos novos e devo contar nos dedos as vezes em que repudiei um "test-drive". Só que também fico sem chão quando não encontro o que estou acostumada.
 
Fiquei empolgadíssima quando aprendi a fazer tapioca, mais ainda com o leite condensado light. Acho que pararam de fabricá-lo. Fiquei triste com a constatação e depois de uns dias resolvi que eu merecia ao menos um brigadeiro. O meu abridor, companheiro há mais de década, movido a manivela, não encaixava na lata de formato irregular - não sei o motivo da troca da embalagem, mas senti-me mais perdida ainda com a lata fechada na minha frente. No final deu certo, mas é mais provável que eu mude de embalagem do que de abridor.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

PMBOK

Eureka! Foi essa a minha reação, há alguns anos, quando descobri o significado da sigla acima. Alguém havia explicado didaticamente o que eu sempre fizera instintivamente, de certa forma contrariando o senso comum.
 
É simples: somos programados para trabalhar nos dias úteis, acordar em determinados horários, ensinados a não "pular refeições" etc. O final de semana e os feriados, junto com as férias, são o momento em que podemos não fazer isso - mas acabamos repetindo o básico do dia a dia; diferente mesmo é o local em que se pratica a "nova rotina". A vida torna-se um processo, ou seja, uma sucessão de atos preordenados e previsíveis - um tédio para alguns.
 
Mas também é possível viver os processos considerando-os como projetos, um pelo menos para cada papel desempenhado na vida: "projeto família", "projeto amigos", além do martelado "projeto profissional". Assim, você acorda cedo não porque precisa trabalhar, mas porque é necessário ao seu projeto "casa própria", "carro novo", "férias dos sonhos" ou "liberdade financeira". Cada um resolve o projeto que vai priorizar e qual será engavetado, o que gera uma motivação constante.
 
Mudar de projeto não significa que os processos precisem ser revistos, nem mudar de processos significa novo projeto. Viver a vida como vários projetos interrelacionados entre si foi o que extrai de meus estudos de PMBOK (profissionais da área que me perdoem, mas foi a melhor utilidade que tive da leitura). 
 
Um feriado em casa, por exemplo, em uma vida de processos, tenderia a ser frustrante. Agora, em uma vida de projetos, é possível "tirar da gaveta" algum projeto de amizade, criar um projeto de programa ao ar livre e até estabelecer a meta de não enfrentar fila. Nem é preciso brainstorm para montar vasto rol de possibilidades, a dificuldade está em acertar nas escolhas - ou saber revê-las a tempo.

domingo, 2 de setembro de 2012

Cantigas infantis em novas versões

Tenho percebido a dita mudança de parâmetro muito mais como uma mudança de nomes do que alguma alteração significativa. Algumas das coerografias e músicas do atual universo infantil, que alguns incentivam e outros se escandalizam, é um exemplo.
 
Eu achava tristíssimo saber que o boi tinha morrido e ficava com pena da vaca, anos depois é que descobri que havia touro, que a vaca talvez até tivesse vivido melhor sem o boi. Para a criança urbana, parece-me mais adequado cantar
 
"Muita água ferveu
não será desperdiçada
pinga um limão, qu'esfriando
vira limonada"
 
Simples, com coreografia acessível a todas gerações e - se houver algo que a criança pergunte - terá uma explicação ecologicamente correta.
 
* * *
 
Provavelemente muito pouco se sabe sobre o Itororó de quando "lançaram" a famosa cantiga, quando a criança perguntar seu significado, talvez mais confusa fique, ou então vai compreender a convenção de uma relação superficial (tem versões que o cantor encontra e deixa a linda morena, em outras encontra e beija, sendo ela totalmente desprovida de vontade). Para que o inconsciente não grave tal convenção, algumas sugestões:
 
Fui na biblioteca,
Muitos livros encontrei
Li histórias divertidas
Com certeza voltarei.

Fui na biblioteca
Com as letras eu brinquei
Pintei lindos desenhos
Com certeza voltarei.

Fui na biblioteca
Muitos vídeos encontrei
Achei divertido
Com certeza voltarei
 
Certamente existem versões mais criativas, o que não dá é para estimular quem às vezes sequer está falando a atirar o pau no gato...

sábado, 1 de setembro de 2012

Uma iniciativa digna - não apenas de nota.


Nessa semana assisti pela primeira vez a última entrevista de Clarice Lispector (está no You Tube, é a gravação de um programa da TV Cultura). Duas de suas afirmações ficaram ressoando para mim. A primeira, de que não se considerava escritora, pois era um rótulo que a isolava. Escrevia por prazer, não por uma obrigação profissional. A segunda, de que não conhecia as pessoas que haviam escrito sobre ela.

De certa forma, até então eu não havia percebido como é muito mais fácil falar sobre o que não se conhece. Escrevo aqui o que conversaria com amigos ou conhecidos. Questões mais técnicas parecem-me temerárias de serem tratadas neste espaço e é com muita disciplina que deixo de opinar, por exemplo, sobre o julgamento do mensalão ou a imposição de cotas no ingresso das federais (estou apreensiva com as duas possibilidades que vejo: a de a classe média voltar a matricular seu filhos nas escolas públicas, voltando a faltar acesso aos pobres, ou da qualidade das federais passar a ser a dos colégios públicos de hoje - #prontofalei).

Quando o diploma de jornalismo deixou de ser exigível, muitas foram as críticas. A imparcialidade do jornalista não é mais um atributo absoluto, nem é preciso que haja embasamento. E sem embasamento afirmações viram verdade absoluta (se é que existe verdade absoluta).

Minha seletividade tem sido ler entrevistas – atividade que só bons jornalistas conseguem fazer bem. Mas não é por isso que falo de Clarice, nem dos jornalistas. É porque apesar das bobagens que são publicadas com destaque ainda me surpreendo positivamente com iniciativas de utilidade pública feitas pela mídia, em situações delicadas que só quem está na superfície consegue tratar.

Falo do especial do Diário Catarinense. Para quem não sabe ou não se lembra, na década de 80, descobriu-se que crianças brasileiras eram vendidas para casais no exterior. Estima-se em 3mil, número de difícil verificação já que documentos falsos eram usados e a adoção descentralizada. Hoje adultos de aproximadamente 30 anos, há quem queira conhecer a mãe biológica. Há mães que se interessam, outras que escondem da atual família o que fizeram - mais uma questão de direitos humanos que finge-se não existir. 

A página criada informa a situação resgatando reportagens da época e mostrando um grupo de adultos de Israel nascidos no Brasil e unidos na busca de sua origem. São reportagens, não é abordado se a aproximação é saudável para os envolvidos, nem o motivo das autoridades nacionais não ajudarem na investigação, já que muitas mães foram enganadas ou tiveram suas crianças furtadas. Sem julgar envolvidos, o jornal abre um importante canal de comunicação para quem espontaneamente quiser rever seu passado.