segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A tosse

Foram tantos os anos sem que havia esquecido: tossir era incômodo. E a tosse veio-lhe fazer companhia justamente em momento que precisava manter o silêncio. Sem prática, segurou-se o quanto pôde: mas a garganta começou a coçar e os ouvidos a fecharem - como se fosse possível coçar uma garganta ou abrir os ouvidos.
 
Se não ia escutar, também não precisava mais do silêncio. E tossiu o mais forte que pôde; aguentou firme a ranhura na garganta, tudo na esperaça de se tratar de ato isolado. Que nada! Foi só o início: tossia enquanto quem estava à volta e não podia desviar mexia-se. Consciência pesada pelo barulho provocado em tão solene momento ou a cada vez mais comum ausência de paciência. Pouco importava. Continuou a tossir e não saiu de onde estava.
 
Poderia acalmar-se com uma bala, com um sachê de mel que trouxera na bolsa ou até com um copo d'água - mas se engasgasse morreria ali, não teria como pedir para que lhe acudissem - logo os outros que certamente pouco ouviam por sua causa, não ouviriam seu pedido de socorro. Para conseguir respirar, pensava que, se as pessoas não morriam de coqueluche, não poderia ser ali o seu fim.
 
Eternos torturantes minutos. Não havia o que fazer, ficaria pior - entre uma tossidela e outra - além da concentração em respirar, ter ainda que pedir licença e ir embora. Timidez não era problema, mas a incompetência de acumular tão importantes atividades: respirar, falar e tossir.
 
No momento das palmas, aplaudiu também - mesmo sem saber exatamente o quê. Percebeu, enquanto aplaudia, uma câmera filmando em sua direção. Segurou novamente a tosse. Lágrimas escorreram-lhe pelo rosto e a câmera, que antes movimentava-se lentamente gravando a imagem dos que aplaudiam, parou. Talvez tenha sido feito zoom das lágrimas. Eternos torturantes segundos.
 
Agachou-se para não ficar registrada a autoria do ser sem noção que atrapalhou a todos. Quanto mais tossia, mais rápido as pessoas se afastavam. Finalmente conseguiu sair dali. Estava feliz por ter se livrado daquela situação, faltava livrar-se da tosse.

2 comentários:

Diego Absoluto disse...

Rs... Muito legal. Faz a gente pensar que a natureza humana é mais forte que o próprio humano. Uma singela tossidela é suficiente o bastante para demonstrar o poder dessa natureza. Interessante é colocar em evidência o constrangimento que essa batalha interna pode causar. Não por causa da tosse, mas pelo contexto em que ela acontece... Ok, há lugar para tudo, mas ninguém está livre de passar por uma situação dessa... acho que deveríamos ser mais complacentes , não é mesmo?rs bj Gi

?! disse...

Com certeza, Di. Complacentes com os outros e conosco. Eu ainda estou aprendendo - deve ser por isso que constrangimentos existem, para que se aprenda mais rápido.