domingo, 6 de janeiro de 2013

Bizarrices

Clic. Clic. O som da máquina digital era tão nostálgico quanto o automóvel em que entraram. Pela idade, talvez o casal não soubesse disso. Lentamente, o carro foi posto em movimento e os noivos sorriam, brindavam exatamente da forma como lhes era dito para fazer em frente à câmera.
 
Tradicionalmente, vestido de casamento é para o casamento. Tradicionalmente, o noivo não poderia ver a noiva antes do casamento, uma receita infalível para impedir que fugissem um do outro - e o véu ajudando, pois só permitiria que se vissem após a abençoada aliança estar presa ao dedo. Hoje, quando o depois muito pouco muda em relação ao antes, muitos são os que vêem a noiva antes do casamento.
 
O álbum de noivos, com fotos de antes ou depois do dia D, resgata a importância social do casamento, essencialidade identificada pelo marketing. Na dúvida, há um vestido para fotos e outro modelito para cerimônia, com versão reduzida para a festa.
 
Fotos são mais importantes que a festa, é a foto que mostra a beleza e o luxo, que multiplica a felicidade. A equipe mais experiente chegou mais cedo ao local. Os outros foram passear, adaptando a trajetória de filmagem. Muitos fotografaram o fotógrafo fotografando, bem mais do que o casal em si, que obediente sorria e brindava.
 
Com maquiagem e cabelo perfeitos, sem convidados à espera, a pressa é toda do motorista que dá voltas e voltas aguardando o fotógrafo-cameraman terminar. Bom que pessoas possam realizar-se com isso (ao menos geram empregos). Melhor realizar-se sem, sem dúvida.
 
Sentiu-se bem com o registro da alegria. Não foi atrapalhar os trabalhos desejando felicidade. Turistas agem assim; uma quis tirar foto com a noiva de tanto que gostou do vestido - e provavelmente para não ficar chato tirou também com as outras nada deslumbrantes. Três casais e uma avenida em uma agradável noite de sábado.

* * *
Desistiu do Brasil quando completou sua lista classe média de país dito em desenvolvimento: rol de tudo que sabia conseguir abrir mão em troca do conforto e aparente tranquilidade do hemisfério norte. Tudo que tinha por não precisar trabalhar para sobreviver, por trabalhar para ter.
 
Decisão refletida, decisão comunicada. Afinal, desistir não mudava nada de lugar. Ela mudaria. O vasto enxoval, a festa de princesa, percebeu que não conseguiriria mais ter. Avisou a duas amigas que, se a celebração ocorresse, elas seriam as madrinhas escolhidas. De despedida, divertiram-se escolhendo roupas de casamento em lojas de todo tipo.
 
Das fotos tiradas, escolheu uma e mandou revelar. Se precisasse, teria um passado para contar e amigas a confirmá-lo. Se precisasse, avisaria aos que ficassem sobre seu casamento, amigas não teriam como desmenti-lo. Quem escolhe a ilegalidade não pode ter medo de mentir nem querer escolher onde vai parar. Faria mistério até saber exatamente o que deveria revelar.
 
Vendeu o que poderia tornar-se obsoleto. O caminho para a casa de câmbio foi desviado por um anúncio: o "antes" e "depois" de uma plástica lhe daria bom rendimento. Topou e remarcou a passagem.

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