sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Ajeitando o passo

Saia justa. É essa a expressão usada. Nunca usou saia? Explico. Todos notam quando há saia justa. Se você está numa, você nem sempre anda como gostaria – pode precisar mudar a velocidade dos passos, também o seu caminho, pois escadas e assentos exigem cuidado. É preciso jogo de cintura para evitar constrangimentos,para que ela não suba ou para que ela não rasgue.

 

Por pouco não pôs saia. Os dias de verão estavam sempre com chuva, inevitável molhar-se - e pernas de fora são sempre mais agradáveis – secas ou molhadas – do que tecido grudando encharcado. Lembrou-se das escadas que subiria e desceria, lembrou-se do vendaval, e desistiu.

 

Saiu com sol, chegou com chuva. A sandália, que não estava justa, descolou. Faltava uma quadra. Havia o que fazer e havia horário. Viu o funcionário fechando a porta e gritou, ele deve ter pensado que estava machucada e aguardou, mas só estava cuidando para não tropeçar.

 

Horas passaram. Nem clips, nem cola resolveram. Alguns degraus e o outro pé também cedeu. Três corredores como opção para sumir dali. Andando pelos calcanhares, de tempos em tempos precisava baixar-se para arrumar o que o equilíbrio não permitia manter. Foi sábia a ideia de não usar saia. De repente, uma das solas descolou na altura do salto. Será que metrô aceita pessoas descalças? Se descalçasse não poderia experimentar nada na sapataria que fica em frente à catraca. Por mais limpa que a rua parecesse com a enxurrada, seu pé certamente não ficaria. O salto que não estava descolado grudou no chão e a tira embaixo da fivela rompeu.

 

Felizmente naquele meio-fio o acesso a cadeirantes estava garantido: arrastou os pés pela faixa lisinha da sinalização e atingiu a rampa. Só não contava com o relevo para os cegos: os dois pés foram ao chão. Com as sandálias dependuradas no tornozelo, esparramadas próximo onde os carros passavam, recompôs-se. Um rapaz solícito sugeriu barbante. Ele procurou, procurou e não encontrou nada que pudesse ser amarrado. Fumando ali próximo, uma mulher ofereceu o par de sapatilhas que estava usando, por ter outro na bolsa. Problema resolvido, mesmo sendo um número maior.

 

Até agora não sabe o que é menos provável: tantos estragos em tão poucos metros ou receber a oferta de empréstimo de um par de sapatos de uma estranha, com a informação de que sempre estava por ali e a promessa de devolver no dia seguinte. A sandália? Ficou lá, com suas lembranças - melhor nem arriscar com conserto.


 
Com quantas peças se faz uma sandália?

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